terça-feira, 10 de junho de 2014

O que está em jogo no Brasil?

Postado em 10 junho 2014 por Levante

Por Lúcio Centeno, militante do Levante Popular da Juventude

Não é só o título mundial que está em disputa no Brasil neste ano. A poucos dias da abertura da Copa, o jogo da política parece estar mais acirrado do que a competição entre as seleções nacionais. No entanto, posicionar-se na arena da política é mais complexo do que optar por torcer pelo Brasil ou pela Croácia.
Desde as Jornadas de Junho temos visto uma efervescência crescente na sociedade brasileira, em especial na juventude. Este marco contrasta com a tônica apática dos últimos anos, na qual o jogo da política era exclusivo aos profissionais. O debate sobre os problemas fundamentais do país tornou-se mais presente no cotidiano. A luta social, as manifestações, retornaram ao imaginário social como formas de expressão política. Aquilo que era visto com natural, passa ser alvo de contestação.
Nesse sentido, embora não tenhamos mais manifestações massivas, acompanhamos a irrupção de inúmeras lutas localizadas, sejam elas pela morte de um jovem na periferia, sejam pela instalação de um faixa de segurança. Os primeiros meses de 2014 deram continuidade a este processo, no entanto, outros setores da sociedade entraram em cena.
Se as Jornadas de Junho foram eminentemente protagonizadas pela juventude universitária, as manifestações deste ano assumiram uma nova configuração. São as greves das categorias de trabalhadores que predominaram no calendário das lutas sociais. Ainda que haja uma participação expressiva de jovens nestas categorias, inclusive liderando tais greves, estamos falando de outro estrato social.
No desenrolar dessas manifestações, que ocorreram no contexto da Copa das Confederações, e na medida em que nos aproximávamos da abertura do mundial, a Copa do Mundo foi assumindo um papel de destaque, seja por configurar-se como um signo de indignação, seja por constituir um cenário favorável para as lutas por aumento salarial e melhorias das condições de trabalho.
Desde então a Copa do Mundo tornou-se um elemento de polarização na sociedade brasileira, ou se é contra, ou se é a favor. Evidentemente que as motivações para esses posicionamentos são várias, podemos fundamentar nossa opinião contra a Copa em pressupostos progressistas ou conservadores e vice-versa. No entanto, na medida em que este torneio de futebol foi constituído como um balizador político, estabeleceu-se o senso de que apoiar uma manifestação grevista é ser anti-petista, e assistir um amistoso da seleção brasileira lhe imputa o rótulo de governista.
Aproveitando-se desta polarização e do contexto de ebulição social o oligopólio das comunicações está agindo sistematicamente para conduzir essas insatisfações para seus objetivos políticos. Da mesma forma em que a mídia disputou a linha política das Jornadas de Junho, imputando suas pautas como a PEC-37, age agora para capitalizar de forma reacionária o sentimento de indignação do povo brasileiro.
Deste modo os conglomerados midiáticos viram nessas mobilizações uma janela de oportunidade para derrotar o projeto neodesenvolvimentista, em um cenário eleitoral que até então se desenhava bastante favorável ao governo. Se antes de Junho a mídia questionava somente a competência técnica do atual governo em oferecer as condições estruturais para a realização do evento, agora passaram a surfar na onda de indignação, o que significa inclusive dar ampla visibilidade às manifestações.
No entanto, como estes veículos têm interesse comerciais com a realização da Copa, adotaram a linha editorial das “duas Copas”. Existe a Copa que acontece dentro das quatro linhas do campo, que é a Copa da Seleção brasileira, do Neymar, do sonho do Hexa, ou seja, a Copa da paixão nacional. E existe a Copa que está fora das quatro linhas, que é a Copa que não deu certo, das obras inacabadas, da corrupção, dos protestos, em suma a Copa da Dilma.
O substrato político das Jornadas de Junho, que se manifesta ainda nos dias de hoje, em especial entre os jovens que a protagonizaram, é o sentimento de não representação, ou seja, nenhum canal institucional é capaz de lhe representar. Isto fica evidente no caso do Congresso, do Executivo, dos Partidos, mas inclui de alguma forma a própria mídia, rechaçada das manifestações. Este sentimento é plenamente justificável, na medida em que vivemos em um sistema político absolutamente sequestrado por interesses oligárquicos e de segmentos econômicos.
No entanto, está em curso uma operação para canalizar esta subjetividade potencialmente progressista para um viés altamente reacionário. Grande parte das forças de esquerda parecem não perceber que estamos perdendo a batalha com o conservadorismo na disputa dos corações e mentes da geração de Junho. Tanto a mídia tradicional, como parcela das novas mídias, vide TV Revolta, estão fomentando uma indignação seletiva. Trata-se da construção de uma interpretação “crítica” da realidade, na qual são atribuídos todos os problemas estruturais da sociedade brasileira aos políticos corruptos, leia-se petistas.
São evidentes os limites e as contradições do projeto neodesenvolvimentista que está em curso no Brasil desde 2003, no entanto, sabemos a quem interessa esse tipo de discurso. Como disse recentemente Maringoni, candidato do PSOL ao governo de São Paulo: “O petismo pode não ser de esquerda, mas o anti-petismo geralmente é de Direita”.
As contradições desse projeto também se expressam na Copa do Mundo, mas a realização deste evento não é causa explicativa de nenhum problema estrutural do Brasil. O processo de segregação social que ocorre nos grandes centros urbanos, está longe de ser originado com a Copa, é fruto de uma política de urbanização orientada pelo capital, vinculado ao setor imobiliário, que estrutura nossas cidades há décadas. Se a Copa não ocorresse no Brasil, a capacidade de segmentos econômicos definirem os rumos da nossa urbanização seria a mesma.
Devemos, portanto, nos eximir de criticar os impactos da Copa? Não. Devemos deixar de apoiar as categorias de trabalhadores que estão reivindicando aumento? Não. No entanto, não podemos perder de vista o embate maior contra o neoliberalismo como política econômica e social e o conservadorismo ideológico que ronda o nosso país. Se observarmos a conjuntura internacional, veremos que não estamos isolados, há um movimento ascendente da extrema-direita europeia, da mesma forma na América Latina, as experiências progressistas estão sofrendo com ações de desestabilização política e econômica articuladas por forças conservadoras internas e externas.
Portanto, o que está em jogo no Brasil é muito mais que a Copa. Estamos vivendo uma situação dilemática, a capacidade de conciliação entre diferentes frações de classe que tornou possível o neodesenvolvimentismo está se esgotando. De modo que, ou conseguimos avançar na construção de reformas estruturais dando vazão as necessidades dessa nova classe trabalhadora que se expressa nas recentes greves, bem como nas demandas da parcela mais escolarizada da classe, que se projetaram em Junho. Ou vamos retroceder para um cenário de mais ortodoxia em termos econômicos, e mais conservadorismo em termos culturais.
Este segundo cenário se aplicará também mesmo em caso de reeleição do atual projeto, caso não avance em um programa de reformas estruturais. O que passa necessariamente por alterarmos as regras do jogo do poder, e isto não será feito por obra daqueles que são os principais beneficiários das “regras do jogo”.  Somente a instauração de um Assembleia Constituinte possibilita criar condições institucionais de absorver as pressões populares.
É nesse sentido que desde o final do ano passado dezenas de movimentos sociais e populares estão construindo a luta pela Constituinte. Não se trata de uma “reforminha”, como acusam alguns setores, trata-se da única possibilidade desse novo ciclo de lutas ver suas reivindicações serem atendidas, trata-se de refundarmos as bases da democracia no Brasil, criando as condições políticas para emergência de um projeto de nação soberana e popular.

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