sexta-feira, 12 de setembro de 2025

FIAT LUX, FORA FUX A LUZ DO GRANDE DIA SEGUINTE DA DEMOCRACIA NO BRASIL

FIAT LUX, FORA FUX

A LUZ DO GRANDE DIA SEGUINTE DA DEMOCRACIA NO BRASIL

por Reinaldo Azevedo

Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Flávio Dino, Cristiano Zanin, Gilmar Mendes, Roberto Barroso, Paulo Gonet e quem fez história pelo avesso e não merece estar nessa galeria.

As penas de prisão para o núcleo duro do golpe são, sim, pesadas. Exceção feita ao colaborador, Mauro Cid — dois anos em regime aberto, no cumprimento dos termos do acordo —, as sanções variam de 27 anos e três meses para Jair Bolsonaro a 16 anos e um mês para Alexandre Ramagem, condenado também à perda do mandato. Os demais, pela ordem: Braga Netto, 26 anos; Almir Garnier, 24 anos; Anderson Torres, 24 anos e perda da função pública (é delegado da PF); Augusto Heleno, 21 anos, e Paulo Sérgio Nogueira, 19 anos.

Diante do decano, Gilmar Mendes, e do presidente da Corte, Luiz Roberto Barroso, quatro ministros — Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Cristiano Zanin e Flávio Dino — e o procurador-geral da República, Paulo Gonet, escreveram um capítulo que não estava em nenhum compêndio. Afinal, nunca antes na história deste país, como diria Lula — um dos alvos da conspiração —, golpistas tiveram de pagar por suas escolhas. Infelizmente, atendendo sabe-se lá a quais desígnios, Luiz Fux fez a vexaminosa apologia da impunidade.

Como é mesmo, Bolsonaro? "Só saio [do poder] preso, morto ou com a vitória. Quero dizer aos canalhas que nunca serei preso". Saiu porque perdeu a eleição. Será preso porque cometeu uma penca de crimes. E os que com ele se meteram na intentona também vão em cana.

TRAJETÓRIA DE CRIMES

Lembro-me, ainda colunista da Folha, e os textos estão por aí, de fazer a cada pouco a contabilidade dos crimes de responsabilidade que Bolsonaro cometia à frente da Presidência, na certeza da impunidade porque, afinal, aqueles que poderiam dar sequência a uma denúncia já tinham sido cooptados pela maquinaria do emendismo. Quando cessei a contagem, já chegava perto dos 40. O chefe do Executivo dizia e fazia coisas grotescas -- inclusive a instrumentalização da política da morte, a necropolítica, durante a pandemia.

A denúncia aponta julho de 2021 como o marco inicial da trama golpista. E agiu bem Paulo Gonet porque, de fato, a partir de então se notam ações coordenadas e desempenho de tarefas dos que se meteram com a organização criminosa, com vistas à abolição do estado de direito e ao golpe de estado. A lei penal, com correção, exige fatos, materialidade, eventos, marcos referenciais.

No que respeita, no entanto, à arquitetura política, a pregação golpista de Bolsonaro, justamente sentenciado a quase 30 anos de cadeia, antecede em muito as datas que constam da ação penal. Dispenso-me de lembrar a, por assim dizer, filiação intelectual de Bolsonaro e suas muitas declarações que remetem a um mundo trevoso.

Atenho-me a um passado recente: foram ele e sua turma a promover a greve dos caminhoneiros em maio de 2018, durante o governo Temer. Eduardo Bolsonaro especulou abertamente sobre o fechamento do Supremo e a prisão de magistrados durante a campanha eleitoral. Laivos de inconformismo com os limites institucionais já estão nos dois discursos de posse do "Capitão", no dia 1º de janeiro de 2019.

No dia 26 de maio daquele ano, antes da conclusão do quinto mês de mandato, Bolsonaro apoiou o primeiro ato de rua contra o Congresso e contra o Supremo. Feito o acordo com o centrão, os parlamentares saíram da mira, e sobrou a pancadaria contra os ministros. Veio a pandemia, e a Corte, nos estritos limites da Constituição, assegurou aos entes federados a faculdade de adotar medidas de combate à pandemia, o que o candidato a tirano tomava como desafio à sua autoridade. Atenção! Foi o STF a determinar que se tivesse um calendário de vacinação, com imunizantes comprados e disponíveis.

Bolsonaro declarou guerra ao Supremo e aos doentes (!) e decidiu que sua tarefa era tirar o tribunal do meio do caminho. Iniciou quase ao mesmo a campanha de desinformação contra o voto eletrônico, anunciando uma suposta conspiração para lhe tirar a reeleição. Com Lula elegível e favorito, foi elevando os decibeís da insanidade. E aconteceu o que aconteceu.

A CONSPIRAÇÃO CRIMINOSA É INTERNACIONAL

O bolsonarismo tem, como é certo, cores locais, mas essa extrema direita, de que o Jair se tornou o símbolo, ainda que ele não entenda direito o que está em debate, está presente em todas as democracias mundo afora. E o discurso é sempre o mesmo: o establishment progressista ou esquerdista dominaria as instituições e não respeitaria aquela que seria a verdadeira vontade do povo -- de que ela se quer intérprete eficaz.

Logo, o desrespeito às regras do jogo e às instituições não constituiria atos criminosos, mas apenas uma resposta política a esse progressismo supostamente autoritário que, sob o pretexto de garantir direitos, pluralidade e diversidade, esmagaria a vontade de verdadeiros patriotas e de cidadãos de bem. Não é o que dizem aqui os criminosos sobre as instituições que lhes impõem limites?

OBRA GIGANTESCA

A obra do STF é gigantesca. O tribunal enfrentou a tradição da impunidade; o tribunal teve de arrostar com uma gigantesca máquina de desinformação; o tribunal viu-se na contingência de responder à contaminação mesmo da imprensa profissional -- que, sob o pretexto da pluralidade, passou a tratar o golpismo como uma das expressões da diversidade, não como aquilo que é: crime.

Escreveu-se, insisto, capítulo inédito na história. Mas não pensem que os golpistas desistiram. A sua, digamos, "luta" se dá agora em defesa da anistia, do indulto, de qualquer expediente que nos jogue de novo no pântano da tradição liberticida que nos condenava ao atraso institucional.

Aqueles quatro ministros, a que se juntaram Gilmar Mendes e Roberto Barroso, e o procurador-geral da República, como escreveu o poeta, se foram "da lei da morte libertando" por meio de "suas obras valorosas". Sim, isso é fazer história.

ENCERRO

"E não vai, Reinaldo, acatar o voto de Luiz Fux como expressão da saudável divergência no tribunal?.

Não vou, não. Não posso condescender com um juiz que vota contra os fatos, além de qualquer divergência razoável, e que busca livrar a cara de quem tenta rasgar a Constituição e destroçar as instituições.

Que ele fique no tribunal. Não pedirei impeachment e me oporei a qualquer um que resolva hostilizá-lo em ambientes públicos. Mas não merece minha consideração cívica nem meu respeito intelectual.

Quem cala sobre o golpe consente na morte da democracia. Ele não se contentou em calar. Fez-se, no tribunal, porta-voz e justificador do golpismo, o que, em certa medida, nem os defensores profissionais ousaram fazer.

Eu não posso expressar apreço, nem que seja por mera cordialidade,  a quem desprezo. Como não pertenço ao colegiado, não me obrigo a fazê-lo nem como expressão da ética da responsabilidade.

Depois do que fez o senhor Fux, ele só merece as palavras inequívocas da minha convicção.


Reinaldo Azevedo

Reinaldo Azevedo

Reinaldo Azevedo, é colunista do jornalismo impresso e âncora do programa "O É da Coisa", na BandNews FM. Reinaldo trata principalmente de política; envereda, quando necessário - e frequentemente é necessário -, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: completou 13 anos no dia 24 de junho.

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