Em seis meses, Trump abalou a democracia e desfez 'mito' americano
Poucas semanas depois de Donald Trump iniciar os ataques contra as instituições americanas, chantagear o mundo e tentar, na força, inaugurar uma nova ordem mundial, um dos maiores especialistas em democracia no mundo, Staffan Lindberg, chefe do V-Dem - um programa da Universidade de Gotemburgo - avisou:
"Se isso continuar assim, os EUA não serão mais considerados como uma democracia em 2026", disse, numa referência ao informe e mapeamento que sua instituição realiza e que serve de parâmetro no mundo.
Não era um exagero. O 'mito' americano de ser uma experiência democrática que serve de suposto modelo ao mundo está em risco. Em seis meses, o governo Trump proliferou ordens executivas para desmontar o estado de direito, promoveu um ataque deliberado contra a Constituição, prendeu e pediu o impeachment de juízes e deu ordens explícitas para que seus funcionários descumprissem ordens legais.
Dentro da Casa Branca, foram borradas as linhas que separam interesses particulares e públicos, com empresários, parentes e o conglomerado Trump usando os símbolos nacionais para vender telefone, criptomoeda, perfume, bíblias e mais de 150 outros produtos.
O presidente ainda agiu para apagar as fronteiras entre fé e religião, um dos pilares da república. Trouxe para dentro do Salão Oval "tele-evangelistas", ordenou investigação sobre a suposta perseguição contra cristãos e falou abertamente sobre princípios religiosos como base para políticas públicas.
Em sua ofensiva contra imigrantes, transformou o processo de deportação em um reality show de racismo e xenofobia.
Trump desmontou o Departamento de Educação e institucionalizou a censura, retirou programas sociais dos mais pobres, atacou universidades e enfraqueceu ou inviabilizou os órgãos de controle.
A corrosão da democracia veio ainda na forma de um ataque minuciosamente organizado contra a imprensa, seja pedindo publicamente a demissão de jornalistas como abrindo processos milionários contra meios de comunicação. O objetivo é intimidar e causar um clima de auto-censura entre todos os demais.
Ao cortar recursos para a NPR e PBS, o sistema pública de rádio e televisão, Trump deve ainda levar ao fechamento de 1,5 mil estações pelo país e que dependiam dos programas produzidos pela agência.
O impacto é também no exterior. Os cortes de Trump na ajuda externa e o desmantelamento da US Agency for Global Media significaram o fim do apoio à mídia independente no exterior, provocando a alegria dos regimes autoritários que estão aproveitando a oportunidade para preencher o vazio deixado para trás. Basta ver como a mídia estatal russa elogiou o fechamento da Voice Of America como uma "decisão fantástica".
Para a entidade Repórteres Sem Fronteira, Trump está ao mesmo tempo "imitando e inspirando regimes autoritários e quase autoritários em todo o mundo".
"Donald Trump tornou-se uma figura importante em um movimento político global antijornalismo que contribuiu para o recente declínio da liberdade de imprensa em todo o mundo e que atualmente está em plena exibição nos Estados Unidos, apenas seis meses após o início de seu segundo governo", alertou a organização.
"Desde que assumiu o cargo, há seis meses, Trump tem correspondido a anos de ataques verbais a jornalistas com ações novas e concretas para limitar a liberdade de imprensa.
Muitas dessas táticas não são novas - é a mesma cartilha que vimos os predadores da liberdade de imprensa empregarem em todo o mundo. Mas está claro que Trump ampliou esse fenômeno, encorajando e inspirando outros líderes a reprimir sua própria mídia doméstica. O resultado é um desastre para a liberdade de imprensa em nível global", alertou Clayton Weimers, diretor-executivo da RSF.
Entre acadêmicos e analistas americanos, o mito de que suas instituições eram sólidas o suficiente para conter ofensivas autoritárias se desmanchou nos últimos seis meses.
Trump cavalga com a certeza de que não tem limites para suas ações e não descarta nada. Nem mais um mandato, hoje ilegal.
Jamil Chade 20/07/2025 05h30
STF: excluídos da 'vendetta' trumpista serão éticos com pares e a nação?
Os ministros do STF Alexandre de Moraes, André Mendonça e Flávio Dino em sessão plenáriaImagem: Ton Molina - 21.mai.25/FotoArena/Estadão Conteúdo Nos corredores dos palácios de Justiça e fóruns brasileiros, os operadores do Direito trocam informações oriundas de coxias diversas. Aguardam pela ética e pela solidariedade. Para alguns, o presidente dos EUA, Donald Trump, cravou uma estaca no coração do STF (Supremo Tribunal Federal). Assim, teria dividido uma Corte que, diante do golpismo e da insurgência de matriz fascista do 8 de Janeiro, mostrava-se unida em defesa da Constituição e do Estado Democrático de Direito. Em outras palavras, Trump teria fragmentado o Supremo para tentar imperar, segundo a velha fórmula de Júlio César: "divide et impera" (dividir e conquistar). Hoje, a pergunta que não quer calar envolve o valor-dever da solidariedade e os princípios da deontologia no exercício ético da magistratura no Supremo. Ou seja: haverá solidariedade para com os colegas excluídos do baile do Mickey? Qual será a conduta ética e a postura dos três ministros cujos vistos de entrada nos EUA não foram revogados? Nelson Rodrigues e Otto LaraO caso remete à famosa polêmica entre dois grandes jornalistas e escritores: Nelson Rodrigues e Otto Lara Resende. Na peça "Bonitinha, mas Ordinária", sucesso de bilheteria, Nelson colocou na boca do protagonista Edgard a seguinte frase: "O mineiro só é solidário no câncer". Em razão dos protestos, Nelson disse se tratar de frase do mineiro Otto Lara. Ele negou veementemente, mas a amizade entre os dois nunca foi partida. Os ministros do STF só seriam solidários no câncer? Espera-se que não. Neste momento, tramita na Primeira Turma do Supremo um processo criminal em fase de alegações finais. As acusações são gravíssimas, como amplamente divulgado. Segundo a denúncia, os réus tentaram um golpe de Estado, agindo em organização criminosa violenta, disposta até ao assassinato de autoridades. Igualmente graves são as atitudes de Trump, que desrespeita a Carta da ONU, ao atentar contra a soberania de Estados-membros como o Brasil. Trump atacou nossa soberania. Considerou o STF um balcão de negócios e propôs a impunidade total a Jair Bolsonaro em troca da suspensão do tarifaço sobre produtos brasileiros exportados aos EUA. Atenção: os 11 ministros do Supremo deveriam olhar além dos seus passaportes com vistos norte-americanos. Deveriam considerar como o Estado brasileiro está sendo tratado. A ética pública recomenda que, em nome da pátria, os ministros não atingidos pela retaliação entreguem voluntariamente seus vistos. No popular: deveriam rasgá-los. Essa é a ética do respeito ao Brasil. É isso que se espera dos três ministros poupados da "vendetta" (vngança) trumpista. Importa lembrar: neste exato momento, Eduardo Bolsonaro, em aliança com o pai Jair e movido por interesses familiares, comete crimes continuados de lesa-pátria. É o novo traidor da história do Brasil —figura comparável a Joaquim Silvério dos Reis, o delator dos inconfidentes mineiros. Togas solidáriasAlém da dimensão ética, impõe-se agora o valor da genuína solidariedade aos ministros atingidos, diante da retaliação ofensiva à soberania nacional. A "vendetta" de Trump se materializou na revogação dos vistos de entrada nos EUA, conforme anunciou o secretário de Estado Marco Rubio. Os barrados do baile do Mickey —com o ministro Alexandre de Moraes à frente— não poderão entrar em território americano. Por outro lado, foram poupados os dois ministros indicados por Jair Bolsonaro: Nunes Marques e André Mendonça. Outro não atingido foi o ministro Luís Fux, indicado após um movimento que excluiu o então enrolado José Dirceu. Segundo a lógica de Trump, apenas esses três não participam da "caça às bruxas", não violam a liberdade de expressão, não perseguem empresas ou cidadãos americanos. Entre magistrados, não deve haver corporativismo de ocasião, mas sim solidariedade com o colega injustiçado. Neste caso, o ataque liderado por Trump é autoritário e fere os princípios elementares do Direito Internacional, que assegura a soberania e a autodeterminação dos povos. Trump, aliás, já propôs a expulsão do povo palestino de Gaza para transformar o território em um balneário de luxo — tamanha sua insensibilidade e falta de estatura moral. Os cidadãos brasileiros comprometidos com a democracia e a república aguardam, portanto, de Fux, Mendonça e Nunes Marques uma conduta solidária —efetiva, e não limitada a tapinhas nas costas das togas. Nova estaca Outra estaca estaria prestes a ser fincada na tentativa de dividir o STF. Marco Rubio, o secretário de Estado dos EUA, aguardaria apenas o momento certo para aplicar aos oito ministros alvos da revogação de vistos os efeitos econômicos da chamada Lei Magnitsky —instrumento que visa atingir financeiramente os sancionados. Pretende-se esvaziar bolsos, ainda que togas não tenham bolsos visíveis. Os ministros atingidos nada mais fizeram do que cumprir o juramento prestado na posse: aplicar a Constituição e as leis brasileiras. Importa destacar: a nossa Carta garante aos magistrados o livre convencimento motivado, resguardando-lhes a liberdade de decidir com base na lei e na Constituição. Além disso, a teoria da separação dos Poderes —tão prezada pelos constituintes— assegura a independência de cada Poder, sendo o STF o órgão máximo do Judiciário.
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