segunda-feira, 16 de maio de 2011

Ana de Hollanda e a banda de sopros de Mairinque

por Oswaldo Mendes*


Havia prometido ficar longe das tertúlias culturais em torno do poder. Porém, o anúncio de uma homenagem a dois amigos que ajudaram a alicerçar o moderno teatro brasileiro – a atriz Lélia Abramo e o diretor e ator José Renato Pécora – me convenceu a ir ao encontro com a ministra Ana de Hollanda, terça-feira, 10 de maio, na Assembleia Legislativa de São Paulo. Sem pressa, cheguei atrasado sabendo que estaria adiantado, pois esses eventos nunca começam na hora. Nunca. Na sala identifiquei poucos amigos do teatro, alguns da música popular, dois ou três da dança e do cinema e muitos outros talentos, jovens e nem tanto, aos quais a minha ignorância ainda não reconhece. Preciso sair mais de casa, conclui sem muita convicção.

Ouvi de alguém que a ministra estava atendendo à imprensa e se atrasaria um pouco. O que me levou a ir fumar na rua, pois na Assembleia não se fuma nem nas vastas áreas abertas. Belo exemplo dos nossos legisladores, que poderia ser aplicado a outros cuidados com a saúde e o bem-estar dos contribuintes e não só aos males do tabaco. Na área externa da sala do evento, os jovens músicos da banda municipal de Mairinque estavam a postos. Sem impaciência, como nós fumantes. Foi o tempo de dois cigarros para a banda começar a sua apresentação, mesmo sem a presença da ministra. Com alguns outros gatos pingados me postei à frente do conjunto de sopros, meninos e meninas na maioria, quase crianças. Talentos anônimos e em formação sempre me emocionam. De repente, fui deslocado do meu lugar privilegiado na pequena plateia por um batalhão de fotógrafos, cinegrafistas, jornalistas, políticos e gente que supon ho muito importante e que se acomodou diante da banda, agora cercada de ilustres ouvidos. Suponho ilustres, pois também para identificar celebridades a minha ignorância continua infinita. Flores do pequeno clarinetista para a ministra, aplausos e fotos, muitas fotos. E mais algumas músicas, de hits de Michael Jackson a Adoniran Barbosa. No balanço final, confesso que a banda de Mairinque foi o item que mais me comoveu.

A tarde, entretanto, estava apenas começando. Antes dos finalmentes, fomos submetidos ao enfadonho protocolo, com o locutor oficial desfilando nomes e mais nomes de excelências presentes. Nunca vi tantas excelências em um evento da Cultura (maiúscula ou minúscula?). Raramente, ou nunca, vi uma delas no teatro. Enfim, deram a palavra à ministra. Como prometido, Ana de Hollanda fez rápida menção ao centenário de nascimento da atriz Lélia Abramo e à morte recente de José Renato, criador do Teatro de Arena de São Paulo, espaço sob os cuidados da Funarte e que há tempos não recebe uma temporada regular de teatro – recentemente serviu até para depósito de catálogos da Bienal. Reduziu-se a isso a homenagem a Lélia e Zé Renato que me fez sair de casa. Percebi logo que ninguém, a não ser eu e alguns desavisados, estava interessado em homenagear quem quer que fosse. Farinha pouca, meu pirão primeiro. Essa era a frase que parecia estampada em muitos rostos. Não é de hoje que as questões da cultura (minúscula, de propósito) se reduziram a esse “cadê o meu?” e a uma disputa política, não importa o partido, por um poder que não sei bem qual é.

Espera, acho que sei sim que poder é esse. Ao ouvir tantos discursos, de apoio e de crítica à ministra, alguns até ponderados e razoáveis, fiquei pensando nas razões que colocaram Ana de Hollanda na berlinda tão depressa. Eu a conheço de raros e cordiais encontros no passado. Se a gente se encontrar na rua, certamente ela não me reconhecerá. Portanto, o meu carinho e o meu respeito por ela são gratuitos, muito longe da política e do partido no poder. Desconfio que existe um não declarado pacto entre grandes interesses negociais e pequenas disputas partidárias. As questões da Cultura não têm mais nada a ver com artistas e produtores culturais. O buraco é muito mais embaixo. O tema da discórdia – direitos autorais – não tem a ver com os autores, mas com os que usam a sua obra. Bom não esquecer que a imprensa, aquela que influi e forma a opinião pública, em boa parte pertence ou está associad a a empresas de comunicação de grande porte, muito sensíveis à questão dos direitos autorais. Logo, é possível questionar, sim, a sua isenção. Basta ler o noticiário do dia seguinte ao evento na Assembleia em São Paulo.

Não li uma linha sobre a banda de Mairinque, a pífia homenagem a Lélia e ao José Renato ou os discursos ouvidos e respondidos pela ministra – fatos que, como cidadão e ex-jornalista, testemunhei. Li apenas, e isso não testemunhei nem a maioria dos presentes, que Ana saiu escoltada do recinto. Com direito a uma foto em que ela parece esconder o rosto. Ora, esconder o rosto pra quê e de quem? Isso a legenda não explica. Mas uma foto vale mais que mil palavras – não é o que ainda se ensina nas escolas de jornalismo e nas redações? Está na hora de a imprensa – e os seus profissionais – despir-se de seu manto de vestal. Sempre desconfiei dos que usavam, e usam, a defesa da liberdade de imprensa para encobrir os interesses da empresa jornalística. A liberdade de imprensa só se sustenta se amparada no direito à informação, que diz respeito a toda sociedade e a cada cidadão. Não faltam exemplos do exercício da censura pela imprensa (ou, se quiserem, das empresas jornalísticas) a informações de interesse público. Mas essa é outra história e, antes que se insinue o contrário, sou contra qualquer controle e restrição à liberdade de quem quer que seja, incluída a imprensa, além dos limites fixados em lei – como a restrição à minha liberdade de fumar em recintos ou áreas públicas, restrição que lamento mas acato sem espernear.

Resumo da ópera: é preciso ler o que está no avesso desse noticiário sobre a corda bamba em que vive Ana de Hollanda. Por que, de repente, o Ministério da Cultura recebe tanta atenção, até de articulistas sem nenhum histórico de preocupação com os temas relevantes da área? Política? Não. Como diria Bill Clinton (foi ele mesmo quem disse?): é a economia, seu idiota! É a economia! Isso vale tanto para os que correm o pires, catando as migalhas do orçamento do Ministério, como para os que têm grandes negócios e interesses em vista. E no meio do fogo cruzado, Ana ainda leva cotoveladas partidárias dos companheiros que se sentem ameaçados.

PS.- Se lhe serve de consolo, Ana, não é nada pessoal. Qualquer um no seu lugar receberia esse mesmo bombardeio recheado de alertas e ameaças. Quando, e se, ficar cansada disso tudo, refugie-se em Mairinque e ouça os meninos da banda de sopros. Eles, como Lélia e José Renato, fazem mais pela Arte e pela Cultura deste País que a maioria dos que foram aplaudir ou vaiar a sua presença na Assembleia. Eu incluído.

*Oswaldo Mendes é ator, diretor e autor de teatro, atualmente em cartaz no elenco de “12 homens e uma sentença”, no Teatro Imprensa, em São Paulo.

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