quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Professores e Pesquisadores de Filosofia Apoiam Dilma Rousseff para a

Professores e pesquisadores de Filosofia, abaixo assinados, manifestamos
nosso apoio à candidatura de Dilma Rousseff à Presidência da República.
Seguem-se nossas razões.

Os valores de nossa Constituição exigem compromisso e responsabilidade
por parte dos representantes políticos e dos intelectuais

Nesta semana completam-se vinte e dois anos de promulgação da
Constituição Federal. Embora marcada por contradições de uma sociedade
que recém começava a acordar da longa noite do arbítrio, ela logrou
afirmar valores que animam sonhos generosos com o futuro de nosso país.
Entre os objetivos da República Federativa do Brasil estão “construir
uma sociedade livre, justa e solidária”, “garantir o desenvolvimento
nacional”, “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais”.

A vitalidade de nossa República depende do efetivo compromisso com tais
objetivos, para além da mera adesão verbal. Por parte de nossos
representantes, ele deve traduzir-se em projetos claros e ações
efetivas, sujeitos à responsabilização política pelos cidadãos. Dos
intelectuais, espera-se o exame racionalmente responsável desses
projetos e ações.

Os oito anos de governo Lula constituíram um formidável movimento na
direção desses objetivos. Reconheça-se o papel do governo anterior na
conquista de relativa estabilidade econômica. Ao atual governo, porém,
deve-se tributar o feito inédito de conciliar crescimento da economia,
controle da inflação e significativo desenvolvimento social. Nesses oito
anos, a pobreza foi reduzida em mais de 40%; mais de 30 milhões de
brasileiros ascenderam à classe média; a desigualdade de renda sofreu
uma queda palpável. Não se tratou de um efeito natural e inevitável da
estabilidade econômica. Trata-se do resultado de políticas públicas
resolutamente implementadas pelo atual governo – as quais não se limitam
ao Bolsa Família, mas têm nesse programa seu carro-chefe.

Tais políticas assinalam o compromisso do governo Lula com a realização
dos objetivos de nossa República. Como ministra, Dilma Rousseff exerceu
um papel central no sucesso dessa gestão. Cremos que sua chegada à
Presidência representará a continuidade, aprofundamento e
aperfeiçoamento do combate à pobreza e à desigualdade que marcou os
últimos oito anos.

Há razões para duvidar que um eventual governo José Serra ofereça os
mesmos prospectos. É notório o desprezo com que os programas sociais do
atual governo – em particular o Bolsa Família – foram inicialmente
recebidos pelos atores da coligação que sustenta o candidato. Frente ao
sucesso de tais programas, José Serra vem agora verbalizar sua adesão a
eles, quando não arroga para si sua primeira concepção. Não tendo ainda,
passado o primeiro turno, apresentado um programa de governo, ele nos
lança toda sorte de promessas – algumas das quais em franco contraste
com sua gestão como governador de São Paulo – sem esclarecer como
concretizá-las. O caráter errático de sua campanha justifica ceticismo
quanto à consistência de seus compromissos. Seu discurso pautado por
conveniências eleitorais indica aversão à responsabilidade que se espera
de nossos representantes. Ironicamente, os intelectuais associados ao
seu projeto político costumam tachar o governo Lula e a candidatura
Dilma de populistas.

O compromisso com a inclusão social é um compromisso com a democracia

A despeito da súbita conversão da oposição às políticas sociais do atual
governo, ainda ecoam entre nós os chavões disseminados por ela sobre os
programas de transferência de renda implementados nos últimos anos: eles
consistiriam em mera esmola assistencialista desprovida de mecanismos
que possibilitem a autonomia de seus beneficiários; mais grave,
constituiriam instrumento de controle populista sobre as massas pobres,
visando à perpetuação no poder do PT e de seus aliados. Tais chavões
repousam sobre um equívoco de direito e de fato.

A história da democracia, desde seus primeiros momentos na pólis
ateniense, é a história da progressiva incorporação à comunidade
política dos que outrora se viam destituídos de voz nos processos
decisórios coletivos. Que tal incorporação se mostre efetiva pressupõe
que os cidadãos disponham das condições materiais básicas para seu
reconhecimento como tais. A cidadania exige o que Kant caracterizou como
independência: o cidadão deve ser “seu próprio senhor (sui iuris)”, por
conseguinte possuir “alguma propriedade (e qualquer habilidade, ofício,
arte ou ciência pode contar como propriedade) que lhe possibilite o
sustento”. Nossa Constituição vai ao encontro dessa exigência ao
reservar um capítulo aos direitos sociais.

Os programas de transferência de renda implementados pelo governo não
apenas ajudaram a proteger o país da crise econômica mundial – por
induzirem o crescimento do mercado interno –, mas fortaleceram nossa
democracia ao criar bases concretas para a cidadania de milhões de
brasileiros. Se atentarmos ao seu formato institucional, veremos que
eles proporcionam condições para a progressiva autonomia de seus
beneficiários, ao invés de prendê-los em um círculo de dependência. Que
mulheres e homens beneficiados por tais programas confiram seus votos às
forças que lutaram por implementá-los não deve surpreender ninguém –
trata-se, afinal, da lógica mesma da governança democrática. Senhoras e
senhores de seu destino, porém, sua relação com tais forças será
propriamente política, não mais a subserviência em que os confinavam as
oligarquias.

As liberdades públicas devem ser protegidas, em particular de seus
paladinos de ocasião

Nos últimos oito anos – mas especialmente neste ano eleitoral –
assistiu-se à reiterada acusação, por parte de alguns intelectuais e da
grande imprensa, de que o presidente Lula e seu governo atentam contra
as liberdades públicas. É verdade que não há governo cujos quadros
estejam inteiramente imunes às tentações do abuso de poder; é justamente
esse fato que informa o desenvolvimento dos sistemas de freios e
contrapesos do moderno Estado de Direito. Todavia, à parte episódios
singulares – seguidos das sanções e reparos cabíveis –, um olhar sóbrio
sobre o nosso país não terá dificuldade em ver que o governo tem zelado
pelas garantias fundamentais previstas na Constituição e respeitado a
independência das instituições encarregadas de protegê-las, como o
Ministério Público, a Procuradoria Geral da República e o Supremo
Tribunal Federal.

Diante disso, foi com desgosto e preocupação que vimos personalidades e
intelectuais ilustres de nosso país assinarem, há duas semanas, um
autointitulado “Manifesto em Defesa da Democracia”, em que acusam o
governo de tramas para “solapar o regime democrático”. À conveniência da
candidatura oposicionista, inventam uma nova regra de conduta
presidencial: o Presidente da República deve abster-se, em qualquer
contexto, de fazer política ou apoiar candidaturas. Ironicamente,
observada tal regra seria impossível a reeleição para o executivo
federal – instituto criado durante o governo anterior, não sem sombra de
casuísmo, em circunstâncias que não mereceram o alarme da maioria de
seus signatários.

Grandes veículos de comunicação sistematicamente alardeiam que o governo
Lula e a candidatura Dilma representam uma ameaça à liberdade de
imprensa, enquanto se notabilizam por uma cobertura militante e nem
sempre responsável da atual campanha presidencial. As críticas do
Presidente à grande imprensa não exigem adesão, mas tampouco atentam
contra o regime democrático, em que o Presidente goza dos mesmos
direitos de todo cidadão, na forma da lei. Propostas de aperfeiçoamento
dos marcos legais do setor devem ser examinadas com racionalidade, a
exemplo do que tem acontecido em países como a França e a Inglaterra.

Se durante a campanha do primeiro turno houve um episódio a ameaçar a
liberdade de imprensa no Brasil, terá sido o estranho requerimento da
Dra. Sandra Cureau, vice-procuradora-geral Eleitoral, à revista Carta
Capital. De efeito intimidativo e duvidoso lastro legal, o episódio não
recebeu atenção dos grandes veículos de comunicação do país, tampouco
ensejou a mobilização cívica daqueles que, poucos dias antes, publicavam
um manifesto contra supostas ameaças do Presidente à democracia
brasileira. O zelo pelas liberdades públicas não admite dois pesos e
duas medidas. Quando a evocação das garantias fundamentais se vê
aliciada pelo vale-tudo eleitoral, a Constituição é rebaixada à mera
retórica.

Estamos convictos de que Dilma Rousseff, se eleita, saberá proteger as
liberdades públicas. Comprometidos com a defesa dessas liberdades,
recomendamos o voto nela.

Em defesa do Estado laico e do respeito à diversidade de orientações
espirituais, contra a instrumentalização política do discurso religioso

A Constituição Federal é suficientemente clara na afirmação do caráter
laico do Estado brasileiro. É garantida aos cidadãos brasileiros a
liberdade de crença e consciência, não se admitindo que identidades
religiosas se imponham como condição do exercício de direitos e do
respeito à dignidade fundamental de cada um. Isso não significa que a
religiosidade deva ser excluída da cena pública; exige, porém,
intransigência com os que pregam o ódio e a intolerância em nome de uma
orientação espiritual particular.

É, pois, com preocupação que testemunhamos a instrumentalização do
discurso religioso na presente corrida presidencial. Em particular,
deploramos a guarida de templos ao proselitismo a favor ou contra esta
ou aquela candidatura – em clara afronta à legislação eleitoral. Dilma
Rousseff, em particular, tem sido alvo de campanha difamatória baseada
em ilações sobre suas convicções espirituais e na deliberada distorção
das posições do atual governo sobre o aborto e a liberdade de
manifestação religiosa. Conclamamos ambos os candidatos ora em disputa a
não cederem às intimidações dos intolerantes. Temos confiança de que um
eventual governo Dilma Rousseff preservará o caráter laico do Estado
brasileiro e conduzirá adequadamente a discussão de temas que, embora
sensíveis a religiosidades particulares, são de notório interesse
público.

O compromisso com a expansão e qualificação da universidade é condição
da construção de um país próspero, justo e com desenvolvimento
sustentável

É incontroverso que a prosperidade de um país se deixa medir pela
qualidade e pelo grau de universalização da educação de suas crianças e
de seus jovens. O Brasil tem muito por fazer nesse sentido, uma tarefa
de gerações. O atual governo tem dado passos na direção certa. Programas
de transferência de renda condicionam benefícios a famílias à manutenção
de suas crianças na escola, diminuindo a evasão no ensino fundamental. A
criação e ampliação de escolas técnicas e institutos federais têm
proporcionado o aumento de vagas públicas no ensino médio. Programas
como o PRODOCENCIA e o PARFOR atendem à capacitação de professores em
ambos os níveis.

Em poucas áreas da governança o contraste entre a administração atual e
a anterior é tão flagrante quanto nas políticas para o ensino superior e
a pesquisa científica e tecnológica associadas. Durante os oito anos do
governo anterior, não se criou uma nova universidade federal sequer; os
equipamentos das universidades federais viram-se em vergonhosa penúria;
as verbas de pesquisa estiveram constantemente à mercê de
contingenciamentos; o arrocho salarial, aliado à falta de perspectivas e
reconhecimento, favoreceu a aposentadoria precoce de inúmeros docentes,
sem a realização de concursos públicos para a reposição satisfatória de
professores. O consórcio partidário que cerca a candidatura José Serra –
o mesmo que deu guarida ao governo anterior – deve explicar por que e
como não reeditará essa situação.

O atual governo tem agido não apenas para a recuperação do ensino
superior e da pesquisa universitária, após anos de sucateamento, como
tem implementado políticas para sua expansão e qualificação – com
resultados já reconhecidos pela comunidade científica internacional. O
PROUNI – atacado por um dos partidos da coligação de José Serra –
possibilitou o acesso à universidade para mais de 700.000 brasileiros de
baixa renda. Através do REUNI, as universidades federais têm assistido a
um grande crescimento na infraestrutura e na contratação, mediante
concurso público, de docentes qualificados. Programas de fomento,
levados a cabo pelo CNPq e pela CAPES, têm proporcionado um sensível
aumento da pesquisa em ciência e tecnologia, premissa central para o
desenvolvimento do país. Foram criadas 14 novas universidades federais,
testemunhando-se a interiorização do ensino superior no Brasil, levando
o conhecimento às regiões mais pobres, menos desenvolvidas e mais
necessitadas de apoio do Estado.

Ademais, deve-se frisar que não há possibilidade de desenvolvimento
sustentável e preservação de nossa biodiversidade – temas cujo
protagonismo na atual campanha deve-se à contribuição de Marina Silva –
sem investimentos pesados em ciência e tecnologia. Não se pode esperar
que a iniciativa privada satisfaça inteiramente essa demanda. O papel do
Estado como indutor da pesquisa científica é indispensável, exigindo um
compromisso que se traduza em políticas públicas concretas. A ausência
de projetos claros e consistentes da candidatura oposicionista, a par do
lamentável retrospecto do governo anterior nessa área, motiva receios
quanto ao futuro do ensino superior e do conhecimento científico no
Brasil – e, com eles, da proteção de nosso meio-ambiente – no caso da
vitória de José Serra. A perspectiva de continuidade e aperfeiçoamento
das políticas do governo Lula para o ensino e a pesquisa universitários
motiva nosso apoio à candidatura de Dilma Rousseff.

Por essas razões, apoiamos a candidatura de Dilma Rousseff à Presidência
da República. Para o povo brasileiro continuar em sua jornada de
reencontro consigo mesmo. Para o Brasil continuar mudando!

06 de outubro de 2010

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