segunda-feira, 3 de novembro de 2025

ATRIZ BETE MENDES E SUA GRANDE HISTÓRIA

Bete Mendes lembra encontro com militar que a torturou na ditadura: como atriz denunciou torturador

A atriz Bete Mendes, 76, contou em entrevista no programa Conversa com Bial como foi reencontrar Carlos Alberto Brilhante Ustra, militar que a torturou durante a ditadura. Após o reencontro inesperado, a atriz se tornou a primeira a denunciar o militar.

Militância e tortura

Bete era estudante de ciências sociais na USP, ao mesmo tempo em que se dedicava à carreira de atriz. Em entrevista em 2013, ela contou que, com a ascensão do regime militar, achou que a "única saída" era entrar numa organização revolucionária contra a ditadura, e entrou para a VAR-Palmares, a mesma da ex-presidente Dilma Rousseff.

"A minha visão era a revolução socialista: tirar poder dos militares, dos opressores, do capitalismo selvagem. Deixar a gente governar para o bem de todos, com todos participando".- Bete Mendes em entrevista em 2013

Militante em segredo, Bete fazia sucesso na novela "Beto Rockefeller" (TV Tupi). A atriz reconhece que "não fazia ideia" do risco que corria.

Foi presa duas vezes em 1970, e, na segunda, torturada por Brilhante Ustra. Ela ficou presa por um mês, mas terminou absolvida pelo Superior Tribunal Militar.

Reencontro e denúncia

Em entrevista no Rio, a Deputada Bete Mendes chora: "Desculpem, mas é muito doloroso lembrar o passado" Bete Mendes na capa do jornal O Globo em 17.ago.1985 Imagem: Reprodução/O Globo

Bete foi uma das fundadoras do Partido dos Trabalhadores, pelo qual foi eleita deputada federal em 1983. Dois anos depois, viajou com o presidente José Sarney ao Uruguai, e reencontrou Ustra, que estava como adido militar na embaixada brasileira de Montevidéu.

A atriz relatou na época que os dois se reconheceram "instantaneamente". "Foi um choque. Depois de 15 anos reabriu-se uma ferida que eu pensava já ter cicatrizado", contou em entrevista à imprensa.

Bete escolheu não comunicar imediatamente ao presidente que havia reconhecido seu torturador. Ela decidiu esperar o fim da viagem, para não interferir na missão oficial.

Após retornarem ao Brasil, a então deputada escreveu uma carta de duas páginas e enviou ao presidente. Após Sarney ler o relato, o documento também foi enviado à imprensa.

"Digo-o, Presidente, com conhecimento de causa: fui torturada por ele. Imagine [...] o quanto foi difícil para mim manter a aparência tranquila e cordial exigida pelas normas do cerimonial". -Trecho da carta de Bete Mendes

Ela relatou que "o pior foi ter de suportá-lo" justificando a tortura como "cumprir ordens e levado para circunstâncias de um momento". O reencontro a fez lembrar da tortura a que foi submetida — Bete nunca quis ser explícita sobre o que lhe aconteceu, mas citou "violência psicológica e física de todos os tipos". Ustra ficou conhecido por métodos como choques, afogamentos e pau-de-arara.

Estão presentes, de novo, os fantasmas de um passado recente, onde os meus gritos se confundiram com os gritos de outros torturados, onde minhas lágrimas ou foram de dor e revolta ou simplesmente para chorar aqueles que não resistiram à violência dos "patriotas" encapuzados.

Na carta, ela pediu que "providências imediatas" e enérgicas culminassem no afastamento de Ustra. A carta abriu o debate sobre a Lei da Anistia promulgada em 1979, que se estendeu aos envolvidos nos crimes de tortura.

Apesar de Sarney inicialmente dizer que tomaria providências, o general Leônidas Pires Gonçalves, Ministro do Exército à época, manteve Ustra no posto.

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