A democracia venceu
Jamil Chade
em Genebra 11/09/2025 16h07
Estátua da Justiça, vandalizada no dia 08 de janeiro na Praça dos Três Poderes é lavada por agente de limpeza. (Foto: Gabriela Biló)A condenação da cúpula militar no Brasil e de um ex-presidente por tentativa de golpe de Estado tem o potencial de ser um divisor de águas. Nela, parafraseando a ministra Cármen Lúcia, pulsa o país que sonhamos.
A decisão do STF vai muito além dos patéticos personagens envolvidos. Sinaliza-se um esforço para romper com nosso passado permeado por atentados contra liberdades fundamentais. Um encontro com sua história, na esperança de construir um novo futuro.
A mensagem que a corte suprema do Brasil manda é a de que não há espaço para golpistas numa democracia e que a pressão externa será intolerável. Pedagógica, a decisão traça uma linha no chão, com o objetivo de que possamos superar uma tradição de suspender o estado de direito sempre que o interesse de uma elite no poder não esteja sendo atendido.
Para responder ao golpe, não foram usadas as armas de um estado de exceção. Não temos, não queremos e nem sabemos usar as armas da repressão. Não se aplicou a vingança, não se suspendeu a eleição e nem o caminho foi a da falsa pacificação. O instrumento foi a Justiça.
O julgamento mostrou como um país usa a Constituição e dá aos suspeitos o amplo direito de defesa, tudo transmitido ao vivo. Uma aula ao mundo de como sobrevivem as democracias, justamente num momento em que elas são atacadas como poucas vezes foram nos últimos 80 anos.
Trata-se ainda de uma resposta, mesmo que tardia, insuficiente e indireta, às vítimas da tortura nos calabouços da história do continente, ainda com suas veias abertas.
Astuto, o destino quis que essa condenação ocorresse numa data marcante para a memória latino-americana. Em 11 de setembro de 1973, no Chile, Augusto Pinochet dava seu golpe apoiado pelos EUA.
Citando Pinochet, Garrastazu e Banzer, o chileno Pablo Neruda os acusou de serem "hienas vorazes da nossa história, roedores a corroerem com venenosos dentes os pendões conquistados com tanto sangue vertido". O poeta descrevia aqueles heróis de Bolsonaro como "sátrapas mil vezes vendidos e vendedores, incitados pelos lobos de Nova Iorque".
50 anos depois, os fatos denunciados revelam que a democracia não vem em nossa certidão de nascimento. Ela precisa ser construída todos os dias, por todos nós. "O fogo que realmente aquece vem de baixo", já diria Martín Fierro.
Não nos enganemos: a ameaça autoritária continuará presente, inclusive travestida de "homens de bem" que circulam pelos corredores da República. A história de mais de 60 golpes de estado na América Latina apenas no século 20 nos proíbe de sofreu de amnésia.
Mas, neste histórico dia 11 de setembro de 2025, a democracia venceu.

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