sábado, 5 de dezembro de 2009

Maria Coeli na RedeCCom, homenageada por Conceição Freitas no Correio Braziliense

50 bravos candangos »
Normalista formada na primeira turma, Maria Coeli de Almeida Vasconcelos viveu os tempos áureos da educação na nova capital, além de passar por uma tragédia política. E vive até hoje de ensinar Brasília aos brasilienses

por Conceição Freitas
Publicação: 05/12/2009 08:15 Atualização: 05/12/2009 08:32
http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia182/2009/12/05/cidades,i=159079/NORMALISTA+FORMADA+NA+PRIMEIRA+TURMA+MARIA+COELI+DE+ALMEIDA+VASCONCELOS+VIVEU+OS+TEMPOS+AUREOS+DA+EDUCACAO+NA+NOVA+CAPITA.shtml
A história do Brasil recente cruzou o caminho de Maria Coeli de Almeida Vasconcelos e deixou marcas profundas - de esperança e terror. A de esperança: ela era uma adolescente quando o pai entrou em casa positivamente exaltado. "Juscelino foi colocado na parede. Agora ele vai ter de construir a capital", anunciou. O deputado federal Manoel José de Almeida (PSD-MG) havia acompanhado o então candidato a presidente da República Juscelino Kubitschek ao comício de Jataí, no qual JK prometeu transferir a capital para o interior do país.

A pioneira em sua ampla casa no Lago Sul: dos tempos da Caravana da Integração Nacional até hoje, muitas páginas de curiosidades a contarA de terror: em 1970, o marido, o diplomata Paulo Dionísio de Vasconcelos, foi encontrado morto, dentro do carro, com um corte profundo no pescoço, em Haia, na Holanda. Vasconcelos acolhia exilados políticos e denunciava na Europa as atividades do regime de exceção. A versão oficial foi a de suicídio, mas houve missa de corpo presente no sepultamento em Belo Horizonte. O marido de Maria Coeli havia pertencido à JUC, Juventude Universitária Católica.Assim, o destino de Maria Coeli foi fortemente entrelaçado ao do Brasil da segunda metade do século 20. Dias antes da inauguração de Brasília, os Almeida deixaram Belo Horizonte. O pai veio com dois filhos de avião. A mãe preferiu vir de carro, com os outros filhos, acompanhando a Caravana da Integração Nacional. Saíram separados e por alguns dias continuariam separados na nova capital. Pai e mãe não conseguiram se reencontrar na cidade planejada. Ficaram perdidos um do outro por alguns dias, fato que mereceu matéria na revista Time. "Deputado perde a mulher em Brasília", foi o título da matéria, ou algo parecido.Reencontraram-se no restaurante do Saps (Serviço de Alimentação da Previdência Social), na unidade em frente à Igrejinha Nossa Senhora de Fátima. Três dias depois, toda a família de Coeli, pai, mãe e seis filhos, desceu para a Praça dos Três Poderes. "Não havia nada de barraquinha. Era só a grama limpinha e a gente cantando o Hino Nacional, tudo quanto é hino que dava vontade de cantar", lembra Maria Coeli, com seu jeito desarvorado e intenso de se expressar com a voz, as mãos, os olhos, a boca, a respiração. Tudo nela fala ao mesmo tempo.EmoçãoAtriz de teatro desde que dava aula para crianças, na Fundação Educacional Caio Martins, em BH, Maria Coeli conta o que todos viram na missa da inauguração de Brasília. O que a fotografia não mostra é como foi o choro de Juscelino. Não foi um soluço contido, um desabafo controlado. Foi um estouro saindo do peito, incontrolável, próprio de alguém que não tem nenhum domínio sobre o que naquele instante lhe acontece. Maria Coeli interpreta o choro compulsivo de Juscelino, o peito arfa e dele sai uma voz gutural.O baile: à noite, toda a família foi à festa no Palácio do Planalto. Maria Coeli colocou novamente o vestido de debutante, de alcinha e até o meio da canela. Na época, a mineirinha não sabia que era linda. Ela mesma reconhece hoje - tanto que era muito bonita quanto que disso não tinha noção. O cerimonial havia convidado cadetes para dançar com as moças da festa. A bela filha de deputado passou a noite dançando com um, de nome Muniz Freire, a quem ela nunca mais viu. "Ele era alto, bonito e sabia conversar. Nunca perdi tempo com quem não sabia conversar, ele sabia e percebeu que eu também. Não tomei chá de cadeira, adorei".Depois da festa, a família Almeida entendeu que estava de mudança para a nova capital. O pai de Maria Coeli, então, disse à filha: "Tudo o que você escrever aqui vai ter valor, porque não é todo dia que se constrói uma cidade no século 20. Brasília precisa de você". Nasceu aí o novo registro de nascimento da mineirinha de BH. "Desde então, passei a me senti responsável por esta cidade".Aluna da primeira turma de normalistas do Caseb, modelo de ensino da nova capital, Maria Coeli teve ideia de que iria experimentar um novo conceito de educação quando, no primeiro dia do ano letivo, a professora de sociologia mandou que os alunos fossem à rua fazer uma pesquisa: eles deveriam perguntar aos candangos o que eles faziam com o dinheiro que ganhavam em Brasília. Coeli encontrou seus entrevistados na agência de Correios e Telégrafos mais próxima. Na fila, ouviu dos operários da construção o que a professora queria saber: que em Brasília eles tinham alojamento e comida. O dinheiro que recebiam, mandavam para suas famílias.A primeira aula delimitava o antes e o depois na vida escolar de Maria Coeli. Em vez das "apostilas ensebadas" das escolas de BH, aulas ao ar livre, conhecimentos específicos pela manhã e exercícios de dança, música, desenho à tarde. E à noite, o melhor do dia: a primeira geração de adolescentes de Brasília caía no mundo. "Combinávamos nosso programa da noite lá no Caseb. Saíamos com a roupa do colégio e íamos para os acampamentos dançar forró. Eu só sabia o nível do rapaz pelo verbo, porque eram todos iguais. Sujos, sujos, sujos e ninguém ligava pra isso. Subia um cheiro forte de homem naqueles barracos de lâmina de madeira, os candangos usando aqueles chapelões. A gente chegava em casa às três horas da manhã. Não conheço ninguém que não tenha sido muito feliz naquela época".CasamentoA moça Maria Coeli chegou a Brasília noiva de Paulo Dionísio, um homem de 1,90m, que terminou o noivado para fazer o curso preparatório do Instituto Rio Branco. Depois do curso, o ex-noivo reconquistou a ex-noiva e os dois casaram-se em 1967. Juscelino e Sarah Kubistchek foram os padrinhos, mas ele não pôde comparecer, porque não podia entrar na cidade. Em 4 de agosto de 1970, Paulo Dionísio foi encontrado morto. Maria Coeli já tinha uma filha, Manoela, e estava grávida de nove meses da segunda, Maria Paula. Depois da tragédia, seus pais foram buscá-la na Holanda.Alguns anos mais tarde, Maria Coeli encontrou um novo companheiro, o artista plástico Douglas Marques de Sá, com quem vive numa inusitada casa em uma QL do Lago Sul. De pé direito duplo, sem paredes (exceto nos banheiros), a casa-ateliê é clara como um dia de sol. Do quarto, Maria Coeli vê a Torre de TV, o Congresso, os ministérios. A cerca é envolvida por pés de bucha, o que já provocou estranhamento na vizinhança. Do mesmo modo que um cupinzeiro que foi mantido no quintal.Maria Coeli é professora, artista plástica e documentarista. Deu aulas nas primeiras escolas da cidade, em escolas classe e no Instituto de Artes da Universidade de Brasília. Tem quatro netos - Beatriz, Paulo Fernando, Maria Madalena e Raul Afonso - e mais de 50 vídeos, alguns deles sobre a história de Brasília. Por esses dias, tenta viabilizar um documentário sobre Sarah Kubitschek, a partir de 40 minutos de entrevista que fez com a primeira-dama, em 1989. "Ela era muito educada. Ensinou os pioneiros a serem civilizados. Era digna, nobre". O filme deve ser lançado nos 50 anos da cidade.A brava candanga lança um apelo a quem possa ajudar a esclarecer a morte do marido. Pede que façam contato porl mariacoeli2008@hotmail.com

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