domingo, 19 de janeiro de 2025

Lambança do Pix deixa Sidônio Palmeira em sinuca de bico

Lambança do Pix deixa Sidônio Palmeira em sinuca de bico

Ricardo Kotscho

19/01/2025 05h30

Sidônio com Lula na posse do novo ministro Imagem: Reprodução

Das duas uma: ou Sidônio Palmeira não foi consultado sobre o recuo do governo na lambança do Pix ou foi dele a ideia de consertar o erro com outro maior, a MP revogando tudo, que deu a vitória por goleada para a oposição.

Nos dois casos, o novo ministro da Secom fica mal na foto. Foi o maior erro de comunicação dos três mandatos de Lula, que vai deixar sequelas até a eleição de 2026, logo na sua semana de estreia no cargo. Quem mais perdeu, outra vez, foi o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em quem pespegaram a alcunha de "Taxade", assim como a ex-prefeita petista ficou marcada até hoje como "Martaxa" Suplicy.

No primeiro mandato de Lula, quando eu era secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência, Chico Buarque chegou a sugerir a criação do Ministério do "Vai dar Merda", o que, infelizmente, nunca foi efetivado.

Mas era mais ou menos isso o que eu já fazia desde o tempo das campanhas: tentar alertar o candidato (depois presidente) sobre possíveis consequências de atos ou palavras que poderiam ser mal-entendidas pela mídia e pela população. Comunicação, ensinava Duda Mendonça, não é só o que você diz, mas como os outros entendem.

Não se falava ainda em fake news nem em algoritmos bem treinados pelos bilionários do Vale do Silício. Poucos usavam celular (o presidente Lula não usa até hoje). Donald Trump ainda era apenas um artista de televisão e aprendiz de bilionário do mercado da construção.

O Brasil ainda era analógico (só 9,6% da população estava conectada à internet) e eu fui obrigado a usar celular pela primeira vez na vida, em função do cargo que ocupava. O país se informava majoritariamente pela televisão, quer dizer, pela Rede Globo.

Certo dia, no meio da tarde, começaram a circular informações de que houve uma rebelião parlamentar diante de um projeto do governo que cortava verbas das Apaes ou do Fundeb, não me lembro direito.

Corri para avisar o presidente antes que o Jornal Nacional fosse ao ar. Lula chamou José Dirceu, chefe da Casa Civil, para saber do que se tratava. O ministro deu explicações técnicas, mas o presidente não se convenceu. Mandou o ministro Cristóvão Buarque, da Educação, preparar uma nota revogando o ato.

Liguei para a direção da Globo (Carlos Schroeder ou Ali Kamel, não lembro ao certo) e deu tempo de mandar a nota do governo com o JN, que já tinha dado a notícia, ainda no ar. Antes de dar o boa noite, William Bonner leu na íntegra a nota do Planalto. E não se falou mais no assunto.

Esse é um bom exemplo para mostrar a necessidade de a área política do governo ouvir sempre a área de comunicação, antes de anunciar medidas polêmicas, para ver como isso pode repercutir na mídia, no parlamento e nas redes antissociais.

No caso do Pix, não se sabe de quem foi a ideia de voltar atrás e editar uma MP, mas é certo que ninguém alertou ou convenceu o presidente sobre os estragos que a medida causaria na imagem dele e do governo.

Quem mediu o tamanho desses estragos foi o pesquisador Manoel Fernandes, diretor da Bites, empresa que acompanha o movimento das redes sociais. O vídeo canalha do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), insinuando que o governo pensava, sim, em não só fiscalizar, para mais tarde poder taxar as operações financeiras do Pix, já tinha alcançado 155 milhões de visualizações até as 11h30 de quarta-feira (antes da semana acabar, passou de 300 milhões).

Para se ter uma ideia do que isso significa, o vídeo postado pelo presidente Lula sobre o mesmo assunto, ao fazer um Pix para o Corinthians, com o agasalho do time, sem pagar taxa nenhuma, na tentativa de desmentir as fake news, chegou a 15 milhões, ou seja, 20 vezes menos do que o post do deputado.

Melhor teria sido fazer um pronunciamento em rede nacional de rádio e TV para desmascarar a narrativa da oposição. Às vezes, ainda é melhor recorrer à velha mídia do que  tentar jogar no campo do adversário. Cada caso é um caso.

Nos sete dias anteriores, registrou Manoel Fernandes, deputados federais realizaram 426 publicações sobre o tema. Só o PL de Jair Bolsonaro publicou 119 posts, alcançando 4,6 milhões de interações. Gleisi Hoffman, presidente do PT, obteve apenas 73 mil interações.

Os 53 deputados petistas que se manifestaram tiveram juntos um total de 218 mil interações. No Youtube, predominou amplamente a versão de que o Pix seria taxado. Foi como aquele histórico 7 a 1 da Alemanha contra o Brasil. Pareceu jogo de profissionais contra amadores.

"Sem uma estratégia mais estruturada e focada especialmente na mídia regional (eu acrescentaria, principalmente, digital), o governo encontrará crescentes dificuldades para conter a propagação da versão defendida pela oposição", conclui o relatório da Bites.

Fica a lição. Para acertar o passo daqui para a frente, vale para o novo ministro da Secom o conselho do velho Chico, que sabe das coisas: melhor agir antes, alertar para evitar o estrago, mesmo contrariando o presidente e os outros ministros, do que ter que correr atrás depois para combater incêndios e conter o prejuízo. Aprendi isso no episódio da tentativa de expulsão do jornalista Larry Rother, do New York Times, que conseguimos evitar, quando só o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, ficou do meu lado. Depois do malfeito, não há campanha publicitária nem marqueteiro que resolva.

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