quinta-feira, 4 de abril de 2024

Viva mais e melhor cantando

 


Quando a sueca Valborg Werbeck-Svärdström, integrante da Ópera da Corte em Estocolmo, viu sua voz, que passeava com tranquilidade entre graves e agudos, simplesmente desaparecer, ela decidiu se autoinvestigar. Não poderia uma jovem de 25 anos com tanto talento encerrar sua carreira tão cedo. Com obstinação, encontrou, em seu corpo, maneiras de recuperar a voz, desenvolveu exercícios próprios e voltou aos palcos.

Nascia ali a Escola de Desvendar da Voz, método que, validado por Rudolf Steiner, o fundador da antroposofia e da pedagogia Waldorf, usa o canto como ferramenta de cura – não só do instrumento vocal, mas de diversos outros males.

É nessa linha que trabalha a cantora, compositora e cantoterapeuta Estela Ceregatti. Formada em Música, ela começou a perceber, na plateia de seus shows, o quanto sua arte era capaz de emocionar e decidiu estudar a técnica criada por Werbeck.

— Busquei esse caminho, que é altamente profilático e impacta em doenças como ansiedade e depressão, também como desenvolvimento pessoal — conta Estela.

Regente do Coral Desvendar, desde 2018, viu seus alunos se descobrirem. Uma delas chegou com um problema severo de insegurança e autoestima.

— Ela tinha uma timidez muito grande e não conseguia, de jeito nenhum, falar em público. Hoje, é a nossa porta-voz — conta, orgulhosa.

A transformação tem explicação científica.

— A sincronização de batimentos cardíacos e respiração em grupos pode ter profundas implicações sociais e emocionais, que não apenas fortalece o sentimento de unidade e pertencimento entre os participantes, mas também pode melhorar a cooperação e a empatia dentro de grupos — explica a neuropsicanalista Priscila Gasparini Fernandes.

O coral Desvendar é regido desde 2018 pela cantoterapeuta Estela Ceregatti (à direita). A profissional adota o método Escola de Descoberta da Voz — Foto: Divulgação
O coral Desvendar é regido desde 2018 pela cantoterapeuta Estela Ceregatti (à direita). A profissional adota o método Escola de Descoberta da Voz — Foto: Divulgação

Segundo a neuropsicanalista, o uso terapêutico dessa arte tem tido ótimas respostas como facilitadora da comunicação, da expressão e da interação social em pacientes com transtornos que vão do espectro autista até a demência e a depressão.

Entre casos do tipo que apresentaram melhoras na terapia de canto, Estela lembra-se de uma aluna que, portadora de esclerose múltipla, chegou a seu curso muito debilitada, sem nem poder andar. Um ano e muito trabalho depois, conseguiu se levantar e se apresentou no coral. De pé.

— Foi muito forte, uma emoção — lembra a artista, que faz questão de ressaltar, no entanto, que a cantoterapia não é a salvação de tudo, e sim um trabalho complementar, que está no âmbito profilático.

— Claro que ela precisou fazer outras atividades terapêuticas e sempre contou com acompanhamento médico. Mas eu consigo avaliar que ela teve uma melhora significativa com o caminho que percorremos juntas.

Para além dos exercícios da Escola de Descoberta da Voz, que Estela mistura com outros criados por ela própria, pesquisas comprovam que soltar a voz, por si só, tem grande impacto na saúde e na longevidade.

Basta ver o estudo alemão publicado na National Library of Medicine que comprovou que a prática melhora sensivelmente a produção dos neurotransmissores responsáveis pelo controle da ansiedade, do estresse e da produção de bem-estar.

— Quando o indivíduo está entregue a esse exercício, ele se desconecta do restante do mundo — diz Priscila.

Nesses momentos, de reconhecimento dos próprios sentimentos, libera neurotransmissores que promovem o bem-estar e inibem o hormônio do estresse, regularizando o corpo e a mente.

Cantoterapeuta Estela Ceregatti:"Busquei esse caminho, que é altamente profilático e impacta em doenças como ansiedade e depressão" — Foto: Divulgação
Cantoterapeuta Estela Ceregatti:"Busquei esse caminho, que é altamente profilático e impacta em doenças como ansiedade e depressão" — Foto: Divulgação

Não por acaso, é comum as pessoas se lembrarem das letras de canções aprendidas anos atrás e esquecerem a história do filme assistido na semana anterior.

— A música tem uma capacidade única de evocar emoções fortes, o que está ligado ao sistema límbico do cérebro, a parte que lida com as emoções e as memórias — afirma Priscila.

Ferramenta poderosa capaz de afetar profundamente nossa biologia, nossas emoções e nossas relações sociais, a música é, portanto, uma aliada e tanto na saúde como um todo.

— Seu impacto no cérebro é um campo de estudo ativo e continua a revelar novas facetas sobre como podemos melhorar nossa saúde e bem-estar — arremata a neuropsicanalista.

Além de ser uma das formas de arte mais lindas da vida.

“A música tem uma capacidade única de evocar emoções fortes, o que está ligado ao sistema límbico do cérebro, a parte que lida com as emoções e as memórias”
— Priscila Gasparini Fernandes neuropsicanalista

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