sábado, 26 de novembro de 2022

Especialistas apontam padrão de planejamento meticuloso e ódio nas redes nos casos de ataques a escolas, destacando a facilidade no acesso a armas

Em relação aos seguidos ataques que o país vem sofrendo, a especialista Telma Vinha, Professora da Faculdade de Educação da Unicamp e pesquisadora do tema, diz que a explicação passa por muitos fatores. Mas ela destaca a facilidade no acesso a armas e na participação de fóruns online que disseminam discurso de ódio.

— Estamos inseridos numa cultura de violência, particularmente nos últimos anos, com a ruptura do pacto civilizatório e incentivo a armas e agressividade. Isso significa um discurso social autorizando o tratamento dos conflitos pela violência, e não pela palavra — diz a professora, que aponta a necessidade de políticas públicas direcionadas para o problema. 

— Precisamos de ações que fomentem a qualidade da convivência na escola, para diminuir o bullying e os discursos de ódio. Com espaços de mediação de conflitos e de escuta para gerar maior pertencimento e bem-estar. Além disso, é necessário ampliar sistemas de proteção social básica, como CRAS e CREAS, e aumentar o controle de armas de fogo na sociedade.

Por Lucas Altino

 

Atirador invade escolas em Aracruz, no Espírito Santo
Atirador invade escolas em Aracruz, no Espírito Santo Reprodução

Os ataques em escolas nesta sexta (25), no Espírito Santo, que deixaram três pessoas mortas e outras 13 feridas, entram para uma triste e extensa lista de casos semelhantes que vêm se repetindo no país. Nos últimos meses, houve registro de outros cinco episódios, no Ceará, Rio, Bahia e no próprio Espírito Santo, que resultaram em dois mortos e ao menos cinco feridos.

A recorrência dessa violência acaba funcionando, afirmam especialistas, como um efeito de bola de neve. No ataque ocorrido em uma escola de Barreiras (BA), em que uma aluna cadeirante foi morta com um tiro, por exemplo, o autor teria se inspirado no atirador do episódio de Vitória (ES), de setembro. As investigações apontam que o segundo rapaz chamava o primeiro de "professor".

Além desses dois ataques, outras situações semelhantes aconteceram: na semana passada, em Mesquita (RJ), quando um aluno ateou fogo em sala de aula; no Morro do Chapéu (BA), em setembro, também com com uso de fogo e arma branca, resultando em um ferido; e em Sobral (CE), em que um aluno atirou contra três colegas, deixando um morto e dois feridos, em outubro.

Veja os casos que aconteceram nesse ano:

  • Vitória (ES): Um ex-aluno, de 18 anos, invadiu a Escola Eber Louzada com facas, bombas caseiras, três bestas, flechas e coquetel molotov. O ataque deixou uma pessoa ferida. Quando foi detido, ele fez referência a outro terrorista em massa, da Rússia

  • Barreiras (BA): O autor do ataque era um aluno de 15 anos, e usou um revólver do pai, um subtenente aposentado. Além da arma, ele invadiu a escola municipal também com uma faca. Ele chegou a anunciar o atentado, que culminou na morte de uma jovem cadeirante, nas redes sociais, horas antes.
  • Morro do Chapéu (BA): Um aluno de 13 anos deixou um colega ferido ao promover um ataque em sala de aula, com um coquetel molotov e faca.
  • Sobral (CE): Em outubro, um aluno de 15 anos atirou em três estudantes de uma escola pública em Sobral. Um deles morreu. O autor do ataque disse à polícia que sofria bullying e usou uma arma registrada em nome de um CAC (colecionador, atirador desportivo e caçador), que era seu familiar.
  • Mesquita (RJ): Na semana passada, um aluno levou um galão de gasolina para a escola, jogou o produto na entrada da sala e ateou fogo com um isqueiro. O jovem ainda fechou a porta da sala, mas não houve feridos.

Além dos ataques que foram concretizados, houve registro de operações policiais em Goiás e na Bahia que impediram outros atentados. Em outubro, a Polícia Civil de Goiás apreendeu um adolescente que planejava, em redes sociais da internet, um atentado contra colegas da sua escola, em Sanclerlândia. Já a Polícia Federal (PF) atuou em Barreiras, um mês após o atentado na cidade, para impedir um novo ataque, que vinha sendo planejado por um adolescente de 14 anos.

Houve ainda, no Rio, a notícia de que a direção do Pedro II de São Cristóvão afastou um aluno após ele ter ameaçado, em suas redes sociais, realizar um "massacre" contra colegas e professores.

Especialistas apontam exibicionismo e discurso de ódio como padrão

Especialista em extremismo, pesquisadora do laboratório de estudos do Instituto Brasil- Israel (IBI) sobre antissemitismo, e autora dos livros "Tempestade Ideológica" e" Redpill — radicalização e extremismo em nome de Deus, dos homens e da Liberdade", Michele Prado já mapeou, além dos casos de 2022, outros oito ataques semelhantes no país, desde 2002. Segundo seu levantamento, fica evidente o aumento recente na frequência desses tipos de ataque.

Após o caso de Aracruz, ela acredita que é possível que "há potencial de outros atentados de imitadores nos próximos dias".

— Esses atentados indicam que ele queria uma "pontuação" muito mais "alta" do que dos dois maiores massacres que já tivemos, em Suzano e Realengo. A pistola era automática e havia muita munição. E como ele foi em duas escolas, indica que tinha o objetivo de obter o que eles chamam de "alta pontuação ", ou seja, o maior número de mortos possível — explica Prado, que destaca ainda o uso de colete à prova de balas, como vem acontecendo em atentados violentos nos EUA.

A pesquisadora acredita que as investigações apontarão para um perfil de um adolescente usuário da subcultura online extremista.

— Ele agiu como os terroristas em massa que são glorificados nessa subcultura. Roupas, porte, braçadeira nazista, muita munição, mais de um tipo de arma (arma branca e arma de fogo), colete. Em Columbine, foi semelhante — disse Michele Prado.

Professora da Faculdade de Educação da Unicamp e pesquisadora do tema, Telma Vinha também destaca o exibicionismo nas roupas, típico desses autores de ataques em massa. Ela também lembra que houve um planejamento meticuloso (segundo a polícia, ele já pensava no ataque há dois anos) o que resultou em uma "frieza" no momento da execução.

Outras características são padrão desses casos: jovens, brancos, homens, gosto pela violência e culto às armas. Além da provável participação em fóruns extremistas, o jovem pode ter cultivado sensações de frustração, e exclusão e raiva, explica Vinha.

— Geralmente o foco é em uma única escola. O fato de ter se planejado uma segunda é porque ela tem algum significado para ele, nem que seja por raiva dos alunos mais ricos.

Richarlison lamenta ataques a escolas no ES: 'Impossível de acreditar' 

Nas redes sociais, o numero 9 da seleçâo Brasileira,lamentou os ataques cometidos por um jovem em duas escolas na cidade de Aracruz, no Espírito Santo, ontem (25). Natural de Nova Venécia, o atacante da seleção brasileira desejou forças aos familiares e amigos das três vítimas. "Minha solidariedade e tristeza pelo que aconteceu ontem no meu estado, em Aracruz. Professoras e uma criança morta. Coisa impossível de acreditar que ainda aconteça. Muita força e carinho pras famílias e amigos", escreveu o jogador em seu Twitter.


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