quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Por que a dengue pode matar? O que passar primeiro, protetor solar ou repelente? Médicos tiram as dúvidas sobre a infecção

 

Por  — São Paulo

O Brasil vive um preocupante aumento dos casos de dengue. Atualmente, as infecções estão concentradas principalmente nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul, de acordo com o Ministério da Saúde. Dois estados – Minas Gerais e Acre –, o Distrito Federal e o município do Rio de Janeiro já decretaram situação de emergência pela doença.


Esse cenário, somado à iminência do Carnaval, que pode piorar o quadro, levou a uma corrida à rede privada em busca do imunizante. Segundo dados da Associação Brasileira de Clínicas de Vacinas (ABCVA), repassados com exclusividade ao GLOBO, a busca pela vacina contra a dengue Qdenga, da farmacêutica japonesa Takeda, explodiu no Brasil.

Foram 4.923 doses aplicadas na rede privada em janeiro, um salto de 110,3% em relação ao número registrado em dezembro: 2.341. No entanto, diversas unidades do setor privado já relatam falta da vacina e não haverá reposição. Em comunicado, a Takeda, laboratório produtor da vacina, disse que o fornecimento na rede privada será restringido ao necessário para conclusão do esquema vacinal em quem já recebeu a primeira dose. A medida busca dar prioridade ao fornecimento de doses para o Sistema Único de Saúde (SUS).

Diante disso, também crescem as perguntas da população em relação aos sintomas, tratamento e prevenção da dengue. O GLOBO ouviu especialistas e esclarece abaixo as principais dúvidas sobre a doença.

Quais são os principais sintomas da dengue?

Os principais sintomas da dengue são febre alta (39°C a 40°C), dor no corpo, dor de cabeça e a retro-orbital (atrás dos olhos), dor nas articulações, mal-estar e manchas vermelhas na pele.

Como saber se é dengue ou covid?

Os sintomas respiratórios são a principal diferença entre dengue e Covid. O médico O infectologista Alexandre Naime Barbosa, professor da Unesp e coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) explica que um paciente com Covid terá sintomas do trato respiratório alto, como tosse, espirro, dor de garganta, perda de olfato e paladar porque o Sars-CoV-2 envolve a infecção das células dessa região. Já a dengue não causa esses sintomas e tende a cursar com exantema, que são manchas avermelhadas pelo corpo, o que não tem na Covid.

Tenho sintomas de dengue, quando devo procurar o hospital?

A recomendação é procurar atendimento de saúde, no hospital ou na UBS, assim que começarem os sintomas e houver suspeita da doença. De acordo com o médico infectologista Julio Croda, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), isso é importante pois todo paciente com sintomas de dengue precisa ser acompanhado por uma equipe de saúde para monitorar os sinais de alerta que indicam gravidade da doença e possível necessidade de internação.

Como é feito o diagnóstico de dengue?

O diagnóstico da dengue é basicamente clínico, sem a necessidade de realização de exames específicos. Existe um exame sorológico capaz de confirmar a infecção, mas ele não é recomendado para diagnóstico da doença. Segundo Croda, esse tipo de exame é importante por razões de vigilância em saúde, como para identificar os sorotipos circulantes em determinada região durante períodos inter-epidêmicos.

Por que a dengue pode matar?

A dengue grave (antiga dengue hemorrágica) pode causar hipovolemia, que é a queda brusca da pressão arterial ou hemorragia. Essas duas complicações podem levar o paciente à morte em pouco tempo, por isso é importante procurar um serviço de saúde assim que começarem os sintomas.

— A dengue é uma doença que mata, principalmente pessoas que não tem o diagnóstico precoce. Ooque a gente vê são pacientes que demoram para procurar atendimento médico e já chegam em estado grave ou pacientes que tiveram manejo clínico inadequado — pontua Naime.

Croda completa que é fundamental a equipe de saúde saber identificar os sinais de alarme da doença, que são: dor abdominal, vômito persistente; acúmulo de líquido na barriga, no pulmão e na membrana que envolve o coração; sangramento em mucosa, confusão mental, tontura e irritabilidade.

Qual é o tratamento para dengue?

Não existe medicamento específico para dengue. De acordo com os especialistas, o manejo da dengue se baseia em hidratação. Na maioria dos casos, isso é feito com água e soros orais, que repõem sais minerais do organismo. Entretanto, nos casos graves, é necessária hospitalização para hidratação endovenosa.

Quais medicamentos são contraindicados em caso de suspeita de dengue?

A automedicação é contraindicada de forma geral, mas mais ainda em casos de dengue, pois existem medicamentos que podem agravar o caso. Os medicamentos contraindicados em casos de dengue são aspirina (ácido acetilsalicílico) e anti-inflamatórios como diclofenaco, nimesulida, ibuprofeno e cetoprofeno. Essas substâncias aumentam o risco de sangramento.

Tive dengue uma vez. Estou imunizado?

Não. Existem quatro sorotipos de dengue (DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DEN-V 4) e eles não dão imunidade cruzada. Ou seja, um mesmo indivíduo pode ter quatro episódios de dengue ao longo da vida.

Porque o segundo caso de dengue é mais perigoso que o primeiro?

Isso acontece porque o sistema imunológico pode entender que nova infecção por dengue é igual à anterior, quando, na verdade, ela é causada por um sorotipo diferente. Nesse caso, o organismo produz anticorpos contra o invasor errado, o que gera uma resposta imune ineficiente, que não neutraliza o vírus. O vírus continua a se multiplicar e devido à essa alta viremia, há maior risco de hospitalização e óbito. No entanto, isso não significa que o primeiro caso da doença será necessariamente leve.

Quem são os grupos de risco da dengue?

O grupo de maior risco, segundo Croda, é o de idosos, em especial aqueles com mais de 70 anos e múltiplas comorbidades porque o sistema imunológico dessas pessoas responde de forma inadequada à infecção viral. Depois dos idosos, estão crianças e adolescentes.

Como prevenir a dengue?

Todos os especialistas são categóricos em dizer que o uso de repelentes aplicados na pele são a medida individual mais eficaz para se proteger contra a dengue e outras doenças causada pelo mosquito Aedes aegypt. No entanto, existem outras formas de prevenção, como a vacinação, e medidas adicionais aos repelentes, como acender vela de citronela, aplicar inseticida e usar repelentes de tomada.

Qual é o melhor repelente contra a dengue?

De acordo com Luciana Costa, professora associada e diretora do Instituto de Microbiologia Paulo de Góes -UFRJ, existem dois tipos de repelente que têm eficácia comprovada contra a dengue. São eles: os produtos industrilizados à base de DEET e de icaridina. No entanto, segundo Barbosa, os mais eficazes são repelentes com icaridina na concentração de 25%. Diversas marcas comercializam produtos com essa especificação, basta ler o rótulo. Independente da escolha, é importante ressaltar que quanto maior a concentração do composto ativo, maior a proteção.

O que passar primeiro, protetor solar ou repelente?

A dermatologista Ana Maria Pellegrini, da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), explica que é sempre importante aplicar primeiro o protetor solar ou a maquiagem e, depois, o repelente. Inverter essa ordem reduz a eficácia do repelente.

— No caso dos protetores solares, é preciso lembrar ainda que devemos aguardar o tempo indicado pelo fabricante após aplicar o produto para que ele seja completamente absorvido e só então devemos aplicar o repelente. E o repelente deve ser aplicado inclusive sobre as roupas.

Qual é a diferença entre dengue e dengue hemorrágica?

Os especialistas explicam que desde 2009 não se usa mais o termo dengue hemorrágica. Atualmente, a doença é classificada como “dengue clássica”, “dengue com sinais de alarme” e “dengue grave”, que variam de acordo com a gravidade do caso.

Quem pode tomar a vacina de dengue no SUS?

Devido ao quantitativo limitado de doses que o laboratório consegue produzir, nesse primeiro momento o Ministério da Saúde priorizou jovens de 10 a 14 anos residentes de municípios com mais de 100 mil habitantes e alta transmissão de dengue. A previsão é que a campanha comece oficialmente neste mês.

Não estou entre o público prioritário do Ministério da Saúde. Como faço para tomar a vacina?

A Qdenga pode ser encontrada em laboratórios, clínicas de vacinação e farmácias. A vacina foi aprovada pela Anvisa para pessoas entre 4 e 60 anos, que já tiveram ou não a doença. Como os idosos são o principal grupo de risco, muitos médicos têm recomendado o imunizante de forma off-label (finalidade diferente da bula) para esse público, com base na aprovação europeia, que não determinou idade máxima para receber o imunizante. Entretanto, essa decisão fica a critério do médico, de acordo com a avaliação de riscos e benefícios para cada paciente.

A vacina também protege contra o Zika e o Chikungunya?

A Qdenga é exclusiva para a proteção contra a dengue. Não há proteção para outras arboviroses.

Quantas doses e com que intervalo deve ser aplicada a vacina?

São necessárias duas doses para alcançara a eficácia de 80,2% para evitar contaminações, e de 90,4% para prevenir casos graves, com um intervalo de três meses entre elas.

Com restrição da venda para focar no SUS, como fica para quem ainda não tomou a 2ª dose?

A Takeda, laboratório fabricante da vacina, diz que a limitação do fornecimento da vacina para o mercado privado vai garantir “o quantitativo necessário para que as pessoas que tomaram a primeira dose do imunizante na rede privada completem seu esquema vacinal”. Algumas instituições já se adiantaram e reservaram doses para garantir a segunda aplicação aos clientes que solicitaram a segunda dose.

(Colaborou Bernardo Yoneshigue)

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