Juros altos protegem mais ricos e prejudicam mais pobres
Em uma sequência de publicações no Twitter, André Roncaglia, professor de Economia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), projetou causas e consequências do comportamento do BC. “Selic maior protege os investimentos dos mais ricos, enquanto produz maior insegurança econômica para a trabalhadores e micro e pequenos empresários” sintetizou.A escalada altista da taxa básica de juros (Selic), promovida pelo Banco Central (BC) desde março do ano passado (de 2% para 11,75% ao ano), motivou uma controvérsia opondo economistas do meio acadêmico e seus pares que militam no mercado financeiro. Também dividiu as entidades patronais entre reações resignadas e críticas.
Para Roncaglia, “o compromisso do BC de segurar a inflação de custos na marra (isto é, arrochando a atividade nos outros setores mais sensíveis à taxa de juros, varejo, indústria e serviços) vai gerar bastante quebradeira de empresas e falências de pessoas físicas, endividadas até o pescoço”.
Essas pessoas endividadas, continuou o professor, se verão desempregadas pela quebra das empresas, e com menor renda. “A atividade econômica vai mergulhar, esmagando ainda mais o orçamento dos milhões de trabalhadores e precarizando ainda mais as condições de trabalho”, emendou. Segundo ele, a alta da Selic faz pouco para amortecer a pressão de preços sobre energia e alimentos, que mais machucam os mais pobres.
Pedro Rossi, professor de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), classificou o combate à inflação no Brasil como “uma tragédia distributiva”. “Preserva bilhões de acionistas da Petrobras, aumenta bilhões em transferência de juros para colocar em prática a ideia anacrônica de combater choques de oferta com a desaceleração de uma economia com desemprego recorde”, explicou em seu perfil.
Os parlamentares do PT também atacaram o aumento de juros em tempos de economia devastada. “Com Bolsonaro, a economia só piora! O próprio governo está reduzindo a expectativa de crescimento para este ano e aumentando significativamente a projeção de inflação. Teremos mais dias difíceis pela frente”, previu o senador Humberto Costa (PT-PE), em intervenção justificada pelas notícias desta quinta-feira (17).
Algumas horas após o anúncio da alta da Selic pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, a Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia piorou suas projeções oficiais para atividade econômica e a inflação em 2022. A estimativa de alta do Produto Interno Bruto (PIB) este ano caiu de 2,1% para 1,5%, enquanto a previsão de inflação subiu de 4,7% para 6,55%.
Já o BC, que na véspera atendera as expectativas do mercado para a Selic, surpreendeu os analistas com o anúncio do índice de atividade econômica (IBC-Br). O dado, indicador para o Produto Interno Bruto (PIB), retraiu -0,99% em janeiro na comparação com dezembro, frustrando os economistas do mercado, que previam avanço de 0,25%.
“Paraíso dos rentistas e inferno dos empreendedores”
Há pouco mais de dois anos, em 5 de março de 2020, o ministro-banqueiro da Economia, Paulo Guedes, com seu habitual ufanismo fanfarrônico, anunciou, em reunião com acionistas e executivos na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que o Brasil deixaria de ser o “paraíso dos rentistas e inferno dos empreendedores”.
“O modelo econômico mudou”, garantiu ele diante do chefe, Jair Bolsonaro. “Nós passamos uma década com juros de dois dígitos. E depois continuamos com os juros altos.” Após o crescimento pífio de 1,1% do PIB em 2019, Guedes jurou que o cenário naquele momento abriria outras possibilidades para o reaquecimento econômico após a recessão criada para afastar Dilma Rousseff da Presidência da República.
“Vai ter consumo, vai ter investimento porque os juros são mais baixos. E, ao mesmo tempo, vai ter mais exportação porque o câmbio tá lá. A inflação tá baixa, em 4% também”, disse o ministro-banqueiro duas semanas antes da eclosão da pandemia mundial do novo coronavírus, que Guedes disse que “aniquilaria com R$ 5 bilhões”.
Dois anos depois, a realidade tratou de mostrar que Guedes, apelidado jocosamente de “Beato Salu” por suas previsões econômicas apocalípticas nos anos 1990, também fracassa como ministro-profeta do otimismo. Os juros voltaram aos dois dígitos, a inflação está descontrolada, o real foi uma das moedas mais depreciadas na pandemia e o dólar continua acima dos R$ 5. O quadro social é uma catástrofe, com 656 mil mortos pela Covid, desemprego e fome ascendentes. E nem assim os mais ricos desistem dele.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI), por exemplo, preferiu enxergar o copo meio cheio e saudou a redução no ritmo de alta da Selic, de 1,5 p.p. das três reuniões anteriores do Copom para 1 ponto percentual. “Um ritmo menor no aperto da política monetária compromete menos a recuperação da economia. O momento é de cautela. Além disso, a taxa de juros definida é suficiente para dar continuidade à trajetória esperada de queda da inflação até o final deste ano”, afirmou o presidente da entidade, Robson Andrade, em comunicado.
Já a Fiesp e a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) anunciaram que criarão um grupo de trabalho para avaliar as causas do alto nível dos juros no Brasil e propor medidas estruturais que levem a uma redução sustentável. Os presidentes da Febraban, Isaac Sidney, e da Fiesp, Josué Gomes da Silva, se comprometeram em contribuir para “o crescimento econômico de longo prazo e a geração de emprego e renda”.
“Os juros são altos no Brasil, mas não por vontade dos bancos. Precisamos parar de criticar e passar a agir, atacando efetivamente as causas que levam a essa situação”, pregou Sidney em comunicado à imprensa. “Os altos juros cobrados no Brasil são um problema estrutural que precisa ser encarado de frente e logo”, disse Gomes da Silva.
A Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) destoou e criticou a alta da Selic. Segundo a entidade, a elevação era esperada, diante da evolução do quadro inflacionário e do conflito no Leste Europeu. Mas a atividade econômica brasileira, ressaltou a nota da Firjan, continua fragilizada, e o aumento de juros “compromete as perspectivas para uma recuperação consistente em 2022”.
Economista defende abertura da “caixa-preta” do BC
No mercado financeiro, as apostas agora são de que a Selic atinja um patamar de 12,75% a 13,25% este ano. “Acreditamos que o Banco Central deve elevar a taxa até os 13,25%, ou seja, além de mais uma alta de 100 pontos base em maio teremos outra alta, em junho, de 50 pontos base”, antecipa André Perfeito, economista-chefe da Necton. Para ele, o comportamento da inflação, sobretudo os preços de commodities, será fundamental para saber se o Copom vai insistir em mais altas além do previsto.
“Na melhor das hipóteses, se as altas terminassem com a sinalização hoje, o final do clico de aperto monetário seria de 12,75%, o que é uma taxa de juros bastante elevada. Mas existe sim a perspectiva de que esses reajustes possam continuar após o próximo Copom, porque os eventos que ditam o ritmo do mercado internacional e da inflação como um todo são mais preocupantes nesse momento”, avalia Carla Argenta, economista-chefe da CM Capital.
Para o professor adjunto do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB) José Luis Oreiro, a afirmação do BC de que a decisão de aumentar os juros é compatível com a suavização dos choques sobre o nível de atividade “é mentira pura”. Segundo ele, “o Banco Central fez um contorcionismo para justificar uma decisão que eles já tinham em mente, que era aumentar os juros em um ponto percentual”.
“Se você está com uma inflação que resulta de um choque de oferta, quando você eleva os juros você amplifica o choque sobre o nível de produto e emprego. Isto é macroeconomia elementar”, afirmou em comunicado publicado no Hora do Povo.
“O BC fez uma previsão com base no modelo que ele nunca divulgou, que a gente não sabe. É uma caixa-preta, porque a gente não consegue rodar o modelo e saber se as conclusões se deduzem das premissas, mas então o BC diz que é adequado aumentar a taxa de juros em mais um ponto percentual”, criticou.
“O banco central dos EUA aumentou a taxa de juros em 0,25 ponto percentual. O do Brasil aumentou, no mesmo dia, em um ritmo 4 vezes maior, sendo que a inflação lá está rodando em torno de 8%. E aqui no Brasil em torno de 11%. Por que essa diferença? É inexplicável”, prosseguiu Oreiro. “É importante lembrar que a situação do mercado de trabalho nos Estados Unidos é muito mais favorável do que no Brasil.”
O professor defende que a autoridade monetária abra a “caixa-preta” do modelo utilizado para fazer suas previsões. “Isso é obrigação, dados os objetivos do regime de metas de inflação, entre os quais a transparência na comunicação com o público. Eles têm que abrir esse modelo”, ressaltou. “Se não eles podem justificar o que quiserem com base nos interesses, sabe-se lá quem eles estão representando.”
Da Redação
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