segunda-feira, 29 de abril de 2024

Resistência se organiza e toma ruas pelo mundo em desafio à extrema direita

 Reportagem

Resistência se organiza e toma ruas pelo mundo em desafio à extrema direita

Diante das estratégias de desestabilização implementadas por movimentos de extrema direita pelo mundo, grupos de resistência e governos começam a reagir. Nesta segunda-feira (29), o presidente do governo espanhol, Pedro Sánchez, se recusou a renunciar, depois que um tribunal aceitou uma denúncia contra sua mulher costurada pela extrema direita espanhola.


No discurso em que anunciou que permaneceria no poder, Sánchez apontou justamente para o fenômeno que toma a Europa, os EUA, a América Latina e a democracia pelo mundo: a desinformação como base de uma decisão política.

"Se permitirmos que farsas deliberadas conduzam o debate político, se forçarmos as vítimas dessas mentiras a terem que provar sua inocência contra o Estado de direito. Se permitirmos que o papel das mulheres seja relegado à esfera doméstica, tendo que sacrificar suas carreiras em benefício de seus maridos. Se, em resumo, permitirmos que a irracionalidade se torne rotina, a consequência será que teremos causado danos irreparáveis à nossa democracia", alertou.

Sanchez ainda denunciou a tentativa de "confundir a liberdade de expressão com a liberdade de difamação". "Trata-se de uma perversão democrática com consequências desastrosas", disse.

Sua decisão de continuar ocorre, segundo ele, por representar uma resposta ao "movimento reacionário global que visa impor sua agenda regressiva por meio da difamação e da falsidade". "Vamos mostrar ao mundo como se defende a democracia", prometeu.


A denúncia que abriu a crise política havia sido apresentada pela entidade Manos Limpias, de extrema direita, contra Begoña Gómez, esposa de Sánchez. Ela era acusada de tráfico de influência e corrupção em um suposto caso envolvendo recursos de um resgate do Estado espanhol para a companhia aérea Air Europa.


Os autores da denúncia reconheceram que apresentaram a queixa a partir de informações de artigos de jornais, muitos dos quais eram peças de desinformação. A procuradoria espanhola se negou a embarcar na queixa. Mas, mesmo assim, um tribunal aceitou examinar o pedido.

Sánchez, ao decidir ficar, adotou uma estratégia contrária ao caso que chacoalhou Portugal há poucos meses, também com uma denúncia de corrupção contra o governo socialista em Lisboa e que levou o Executivo a renunciar. Ao se convocar eleições, a extrema direita mostrou sua força e chegou na terceira posição.


O caso de Portugal foi considerado em Madri, que, nos últimos dias, viu uma manifestação de 5.000 pessoas pelas ruas da cidade, com o lema "por amor à democracia", e pedindo que o chefe de governo não renunciasse.



O mundo da cultura na Espanha também reagiu. "Temos que sair às ruas", afirmou a atriz Marisa Paredes. "Temos de gritar e dizer que não voltaremos ao passado", insistiu. O auditório Marcelino Camacho reuniu artistas como Luis García Montero, Benjamín Prado e Miguel Ríos, além da leitura de uma carta de Pedro Almodóvar, em apoio ao governo.


Eixo EUA-UE

A operação de resposta em Madri ocorre dias depois de a extrema direita mundial reunir seus principais líderes em Budapeste para articular uma aliança para avançar nas principais eleições em 2024, em especial para o Parlamento Europeu, em junho, e nos EUA em novembro. A ideia seria criar um eixo entre Europa e EUA, comandado pelo movimento ultraconservador.


Parte dessa estratégia pelo poder envolve ainda o apoio mútuo de líderes de diferentes partes do mundo, cada vez que um deles vai às urnas. Assim, é esperado que Javier Milei, presidente da Argentina, faça uma viagem até a Espanha para apoiar o principal comício do partido herdeiro do franquismo, o Vox, antes das eleições europeias.


Mas, em casa, Milei descobriu a dimensão da resistência argentina contra suas políticas e o desmonte de políticas de Estado. Na semana passada, as ruas de Buenos Aires e de outras grandes cidades do país foram tomadas por milhares de pessoas, que protestavam contra o novo presidente argentino.


Oficialmente, o movimento era de estudantes e professores, que resistiam à tentativa de Milei de cortar entre 60% e 70% dos orçamentos das universidades. O protesto teve o apoio de sindicatos e trabalhadores.


A extrema direita também recebeu um recado duro das ruas de Lisboa, quando milhares de pessoas tomaram o centro da cidade para comemorar, no último dia 25 de abril, os 50 anos da queda da ditadura que mergulhou o país numa crise sem precedentes.


Nos cartazes que circulavam pelas ruas da cidade, as referências não eram aos aliados de Salazar, mas à ameaça da extrema direita em pleno século 21, por meio do partido xenófobo Chega.

O governo de Benjamin Netanyahu, apoiado por alguns dos principais nomes da extrema direita israelense, também passou a enfrentar a ira da população nas ruas de Tel Aviv. Em repetidas ocasiões e mesmo nesta segunda-feira, milhares de israelenses saíram para protestar e pedir novas eleições. A principal queixa se refere ao fato de o governo não estar priorizando a liberação dos reféns mantidos pelo Hamas e usando o fato para justificar a ofensiva militar. "Salvem os reféns de Netanyahu", afirmava uma placa levantada pelos manifestantes nesta segunda-feira.

Os atos ecoaram ainda pelas universidades americanas, causando o maior e mais polêmico movimento estudantil em décadas nos EUA. Líderes republicanos conservadores pressionam o governo de Joe Biden a enviar a Guarda Nacional para reprimir os protestos.


Pesquisas de opinião em Israel apontam que a maioria da população culpa Netanyahu por uma séria falha de segurança nos ataques terroristas do Hamas, em 7 de outubro.


Mas os aliados da extrema direita de Netanyahu pressionam o primeiro-ministro a não aceitar qualquer tipo de cessar-fogo, alegando que qualquer acordo seria o equivalente a uma derrota.


Jamil Chade


Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

domingo, 21 de abril de 2024

O tempo corre contra nós

 BOA LEITURA!

Editorial

O tempo corre contra nós

Golpistas fazem grande manifestação no dia 25 de fevereiro, em São Paulo capital. De maneira oficiosa, governo cancela atividades oficiais para marcar 60 anos do golpe militar de 1964. Fracasso de público nas manifestações da esquerda no dia 23 de março. Pesquisas indicam queda de popularidade do governo. Prognósticos apontam que esquerda deve ter resultado fraco nas eleições municipais de 2024. Golpistas convocam nova manifestação, agora para o dia 21 de abril, no Rio de Janeiro capital.

Pelos motivos acima resumidos, consideramos necessário mudar imediatamente a linha política adotada pelo governo e pelo Partido. Outros setores do Partido pensam o mesmo, mas não existe consenso sobre o que deve mudar.

Muitos apontam que há um problema de comunicação. Concordamos em parte com isso. A comunicação do governo e a comunicação do Partido precisam mudar. Mas, para que essa mudança produza efeitos, é preciso que haja mudanças na prática do governo e na prática do partido.

Muitos apontam que há problemas de coordenação. Concordamos em parte com isso. É evidente que a coordenação política do governo, ou não existe, ou funciona muito mal. É evidente, também, que o Partido não tem uma direção coletiva. Mas se a coordenação funcionasse, tanto no governo quanto no partido, ainda assim restaria por resolver um problema de linha política.

Qual é a linha do Partido, desde pelo menos 2022? A linha é a de derrotar a extrema-direita. Em nome desse objetivo, disputamos a eleição presidencial em aliança com setores da direita. Uma vez no governo, incluímos no governo mais setores da direita, inclusive gente que ontem apoiava o governo cavernícola. Aliás, até hoje há bolsonaristas ocupando posições de comando em diversas áreas do governo.

Ganhamos a eleição presidencial, no segundo turno, com uma diferença de 2 milhões de votos. Há quem diga que só ganhamos graças às alianças. Há quem diga que a diferença foi pequena exatamente devido às alianças, ou seja, que uma campanha pela esquerda poderia ter alcançado melhor resultado. Mas não há controvérsias acerca de que fomos derrotados na eleição para o Congresso.

Fomos derrotados, apoiamos a reeleição de Arthur Lira e de Pacheco e seguimos desde então uma tática que, na prática, não tem sido eficaz para impedir a adoção de um “semi-parlamentarismo estilo Centrão”.

Também não há controvérsia de que fomos derrotados, na maioria dos estados, na eleição para governadores. E ali onde somos oposição, há vários casos em que não temos conseguido fazer uma oposição eficaz.

Frente a esta correlação de forças institucional negativa, uma das “táticas” adotadas tem sido a de buscar uma aliança com o Supremo. Esta aliança com o Supremo teve como principal resultado, até agora, as investigações e os processos contra os golpistas de 8 de janeiro de 2023.

Durante muitos meses, essas investigações e processos atingiram mais bagrinhos do que graúdos, além de em alguns casos adotarem métodos que criticamos (como é o caso das decisões diretas pelo Supremo, sem respeitar as várias instâncias que exigimos nos processos feitos contra nós). Entretanto, o fato é que – antes do carnaval de 2024 – as investigações finalmente bateram na porta da família do Cavernícola e de alguns oficiais graduados das forças armadas.

A reação da extrema-direita a essa pressão foi convocar o já citado ato de 25 de fevereiro de 2024. O ato foi uma demonstração de força, estabeleceu a narrativa da “perseguição judicial” e dois objetivos políticos: ganhar as eleições de 2024 e anistia para Bolsonaro poder concorrer em 2026. Logo em seguida ao ato, saíram as tais pesquisas que mostram um declínio no apoio popular ao governo federal e a Lula.

Frente a isso, o Partido se dividiu. Uma parte defendeu convocar mobilizações, outra parte defendeu um recuo. Na prática, o que prevaleceu foi o recuo.

Por um lado, o governo cancelou oficiosamente as atividades previstas para marcar os 60 anos do golpe de 1964. De outro lado, as manifestações de 23 de março foram uma enorme manifestação de fraqueza.

Como cereja no bolo, crescem as pressões em favor da moderação na punição dos envolvidos na intentona golpista de 8 de janeiro de 2023. Aliás, até agora não foi decretada a prisão preventiva do Cavernícola, apesar de sua evidente tentativa de fugir da justiça, se abrigando numa embaixada estrangeira.

Entrementes, parte importante da militância de esquerda concentra suas energias nos preparativos para as eleições de 2024.

Embora não fale em metas, o coordenador do grupo de trabalho eleitoral do PT estima que elegeremos mais prefeituras do que as que governamos hoje. É possível que isto ocorra, até porque hoje encabeçamos apenas 241 prefeituras (no passado, já chegamos a mais de 600). Mas a análise política precisa levar em consideração, também, quantas prefeituras nossos inimigos vão eleger; bem como qual a importância eleitoral, política e econômica dessas prefeituras. Será preciso incluir na avaliação, também, nosso desempenho na eleição de vereadores.

Evidentemente, a situação em abril de 2024 pode se alterar muito. E devemos trabalhar para que se altere. Mas até para que façamos isso, é preciso assumir que, ao menos a preços de hoje, a situação eleitoral não é positiva. Basta dizer que nas 213 cidades onde se concentra 50% do eleitorado brasileiro, até agora – segundo o coordenador do GTE – “temos potencial para ter entre 89 e 125 candidaturas petistas”. Ou seja, pode ser que em 124 das 213 maiores cidades brasileiras, o eleitorado não tenha a possibilidade nem mesmo de votar no PT.

O mais preocupante, entretanto, é que na maioria das cidades onde lançamos candidaturas petistas, o quadro é difícil. As dificuldades são várias, entre as quais citamos duas que foram criadas por nós mesmos: i/o debilitamento do nosso Partido em grande número de estados e municípios; ii/ a Federação, mais especialmente o Partido Verde, que vem acentuando seu caráter de abrigo para políticos de direita e, as vezes, até bolsonaristas.

Entretanto, a principal dificuldade é que, para usar as palavras do presidente Lula, nossas realizações estão “aquém” do que prometemos. E isso torna mais difícil a situação para nossas candidaturas. Portanto, se queremos um bom resultado nas eleições 2024, é preciso mais que melhorar o desempenho do governo. Que, segundo as últimas pesquisas, está perdendo espaço.

Há no PT diferentes interpretações a esse respeito. Uma delas é que a economia vai bem, mas uma parte do povo não se dá conta disto porque a comunicação é falha. Outra delas é que a economia vai bem, mas uma parte do povo não se dá conta disto por causa da polarização política.

Em nossa opinião, a polarização é parte da explicação, a comunicação é parte da explicação, mas o problema principal é que nem tudo vai bem no governo. Como reconheceu o presidente Lula, estamos “aquém”. Há problemas muito sérios em várias áreas do governo. É o caso, por exemplo, da Defesa, da Comunicação e da Educação.

Além disso, a economia não vai tão bem assim. As condições de vida de uma parte importante do povo continuam muito difíceis. A arrecadação cresce menos do que seria necessário. Os investimentos e, de maneira geral, as verbas dedicadas à diversas áreas do governo são menores do que precisamos. Já há contingenciamento orçamentário. E boa parte disso acontece por causa da política de juros altos e por causa do déficit zero.

No caso dos juros altos, trata-se de uma herança cavernícola, contra a qual não fizemos tudo o que podíamos fazer (pois o governo poderia ter forçado a demissão do presidente do BC, assim como poderíamos ter mantido a crítica pública aos juros altos num tom mais alto).

No caso do déficit zero, trata-se de uma opção errada feita por nosso governo. Pois, embora haja quem debite o déficit zero na conta da maioria conservadora do congresso nacional, a verdade é que esta proposta surgiu por opção livre e soberana da equipe econômica comandada pelo ministro Fernando Haddad.

O que, isto sim, é de responsabilidade da maioria conservadora do congresso, é o bloqueio contra diversas tentativas de ampliação da receita do governo, ao mesmo tempo que privatizam o orçamento público.

Vista de conjunto a situação, aquilo que começou como uma aliança com a direita tradicional, em nome de derrotar a extrema-direita, pode terminar com uma derrota frente às duas direitas. Pois estas direitas, embora também briguem entre si, embora “marchem separadamente”, ambas golpeiam a esquerda.

Um exemplo disto é o que está ocorrendo nas eleições de São Paulo. Trata-se de uma batalha eleitoral decisiva, não apenas para o PT e para a esquerda, mas também para o governo. E o que fazem Alckmin e Tebet? Alckmin apoia uma candidatura do PSB, que tem se notabilizado por atacar a esquerda. E Tebet apoia a candidatura de MDB, apoiada por Tarcísio e por Bolsonaro.

Em resumo: estamos numa situação de cerco. E nossa grande questão é como romper o cerco. No dia 25 de fevereiro, para romper o cerco, o Cavernícola mobilizou sua base política. Uma parte do nosso Partido acredita que, como estamos no governo, é através da ação do próprio governo que devemos romper o cerco. Acreditam, também, que essa ação do governo não se faria através de mobilização, mas sim através de atos administrativos. E têm fé que, nos próximos meses, as “entregas” do governo vão produzir resultados positivos.

Adotada esta linha, na melhor das hipóteses não sairemos do lugar. Pois é evidente que a campanha eleitoral em si mesma tende a melhorar nossa posição. Mas também é verdade que os efeitos da ação do governo não estão produzindo os efeitos que gostaríamos e, frente a isso, o governo está recuando. Ou seja: adotada a linha citada anteriormente, há um grande risco de terminarmos pior do que estamos hoje.

Outra parte do nosso Partido acredita que, para romper o cerco, precisamos fazer vários movimentos, no governo, no Partido, no conjunto da esquerda. Entre esses movimentos, estaria a mobilização de rua.

Entretanto, desde 2013 até agora, temos tido crescentes dificuldades para mobilizar. E o auge disto (ou o fundo do poço) foram as minúsculas mobilizações de 23 de março. É imperioso debater por quais motivos isto ocorre.

Para além de debater as questões acima, é preciso fortalecer o primeiro de maio de 2024 e a Marcha a Brasília convocada também para maio de 2024. E continuar a luta em defesa da Palestina. A visita de Tarcísio e Caiado ao carniceiro Bibi é a prova de que, para a extrema direita, os métodos genocidas estão na ordem do dia. Cabe reagir à altura, em defesa da humanidade.

A direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda

 
 

sexta-feira, 12 de abril de 2024

O CINEMA COMO UM PROJETO DE PAÍS



O CINEMA COMO UM PROJETO DE PAíS

Antes do impeachment, da pandemia, de Bolsonaro, o audiovisual brasileiro dava sinais animadores de crescimento. É hora de retomar essa agenda

Juca Ferreira, especial para a piauí12 abr 2024_09h23

Uma boa política audiovisual, no Brasil, deve ser pensada como parte do desenvolvimento cultural do país como um todo. Precisa ter como meta tornar as artes e a cultura mais acessíveis aos brasileiros. Mas, além disso, pode – e deve – ser tratada como peça-chave do desenvolvimento econômico do país. 

O investimento nas economias criativas e na indústria audiovisual pode proporcionar imensos ganhos e fortalecer nossa cultura, condição indispensável para a consolidação da democracia. É uma das portas para o Brasil se firmar como uma grande nação do século XXI, socialmente justa, econômica e ambientalmente sustentável e culturalmente desenvolvida. 

Precisamos colocar o cinema nacional e o audiovisual ao alcance de parte da população que, hoje, só tem acesso às quinquilharias da cultura de massa. O estreitamento ideológico que vem abalando o país tem tudo a ver com a redução das alternativas culturais à disposição dos brasileiros. Assistimos à massificação de uma visão reacionária e retrógrada de país, ao passo que o discurso democrático e progressista se restringe a circuitos fechados da sociedade. 

Parte 1: A retomada de 2003 a 2016

Depois de treze longos anos da extinção da Embrafilme, estatal que fomentava o cinema brasileiro, a retomada da indústria audiovisual a partir de 2003 proporcionou enormes avanços para o país. Vínhamos de quase quinze anos de letargia. O neoliberalismo dizia que a globalização inviabilizava as cinematografias nacionais. A capacidade produtiva e a estrutura empresarial no começo dos anos 2000 eram mínimas, restritas a Rio de Janeiro e São Paulo.

O governo do presidente Lula (2003-2010) reaqueceu a indústria cultural e, no caso do mercado audiovisual, estimulou um crescimento acelerado. Novas produtoras surgiram aos montes. O cinema que emergiu nesse período foi forte o suficiente para sobreviver às intempéries da Covid e à guerra cultural dos governos pós-impeachment. 

As políticas formuladas pelo Ministério da Cultura proporcionaram uma soma significativa de recursos públicos para o setor. Orientando os investimentos, havia uma política estruturante, com a incorporação da Ancine ao sistema de gestão cultural liderado pelo Ministério. Em 2006, foi criado o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), fundamental para o fomento desse mercado. Em 2011, criou-se a Condecine-Teles, contribuição paga por empresas de telecomunicações para financiar a indústria audiovisual. No mesmo ano, o governo sancionou a Lei da TV Paga, que exige que canais de tevê por assinatura exibam um percentual mínimo de conteúdo brasileiro em suas programações. 

Tudo isso, aliado ao empenho do setor, fez o cinema nacional se reerguer. O surgimento de uma promissora indústria de games, de cinema de animação e produção de obras seriadas para tevês por assinatura, multiplicou as possibilidades do audiovisual. Nossos filmes voltaram a chamar atenção no exterior e conquistaram prêmios em grandes festivais internacionais. Mesmo ainda muito longe do ideal, o cinema brasileiro reconquistou parte do público e lançou sucessos de bilheteria.

Até 2003, tínhamos uma média de produção de menos de dez longas por ano. Quando Dilma foi afastada, já estávamos produzindo em torno de duzentos filmes. Em 2002, tínhamos menos de 1.500 salas de cinema. Às vésperas do impeachment, em 2016, havíamos chegado a mais de 3 mil. 

O auspicioso ressurgimento do cinema brasileiro, estimulado e financiado por políticas públicas eficazes, sinalizava que, apesar de em fase embrionária, estava em marcha a gestação de um setor audiovisual vigoroso e uma economia promissora. 

Segundo um levantamento feito pela Motion Pictures Association em parceria com a Oxford Economics, o impacto direto do audiovisual na economia brasileira em 2019 foi de 24,5 bilhões de reais. Se somarmos o resultado indireto e induzido, a conta sobe para 56 bilhões de reais. Em termos de postos de trabalho gerados, os números são igualmente superlativos: 657 mil empregos diretos, indiretos e induzidos – ou 126,6 mil, contando apenas os diretos. Segundo reportagem de 2022 da Folha de S.Paulo, a produção de filmes, séries, games e iniciativas de realidade virtual emprega aproximadamente 210 mil pessoas na capital paulista, além de outras 290 mil contratadas indiretamente. Um mercado que movimenta 5 bilhões de reais. São Paulo, a cidade, concentra quase 40% das empresas de audiovisual do país.

 

Na guerra cultural deflagrada pelo governo Bolsonaro, foi demolido, instituição por instituição, o sistema público de apoio à cultura e, em particular, ao cinema e ao audiovisual. O governo perseguiu artistas que não se alinhavam a ele; amesquinhou as políticas; interrompeu quase todo o processo de apoio, fomento e financiamento público da cultura; ensaiou retomar a censura; desregulamentou e abriu as portas do nosso mercado cinematográfico, passando a permitir práticas predatórias dos grandes players globais que, aos poucos, se apropriam do legado do cinema nacional. 

O governo Bolsonaro deu um cavalo de pau no processo de desenvolvimento do audiovisual. Quis acabar com o sonho de muitas gerações de ter um cinema independente, à altura da grandeza do nosso país. Hoje, tudo o que foi construído – a infraestrutura instalada, as empresas, a mão de obra capacitada, o trabalho dos criadores – está rapidamente se precarizando. Os trabalhadores do audiovisual se convertem em prestadores de serviço para as plataformas internacionais.

A bem da verdade, já estava na hora de darmos um salto de qualidade nas políticas de apoio e incentivo ao cinema e ao audiovisual. Àquela altura, era preciso incorporar políticas industriais às políticas culturais. O estrago causado pela pandemia, a defasagem natural do setor e as deficiências na formulação das leis exigiam a renovação e a ampliação da política audiovisual. A experiência indicava que, apesar de todos os avanços, precisávamos de um ponto de virada. 

Algumas necessidades eram nítidas. Por exemplo: a produção cinematográfica cresceu mais rápido do que as janelas de exibição, de modo que muitos filmes não chegavam às telas. Era preciso coordenar as diversas etapas da cadeia produtiva do setor (produção, distribuição e exibição) e orientar com mais precisão o financiamento público. 

Outro problema evidente era que, apesar do aumento da capacidade de produção, não avançamos tanto quanto poderíamos na conquista do público. Os editais, como eram feitos, não estimulavam suficientemente o encontro do cinema com a população, e os filmes não tinham recursos para serem promovidos. Chegamos a buscar a inclusão das tevês públicas nesse processo e, para isso, organizamos dois seminários com a participação de acadêmicos, pensadores e gestores desses canais de todo o país. Apesar da concordância geral dos profissionais da área, inclusive dos responsáveis pelos canais geridos por governos de oposição, não conseguimos transformar as tevês estatais e governamentais em verdadeiras tevês públicas, o que poderia ter sido uma revolução na comunicação brasileira. O processo teve ao menos um bom resultado: contribuiu para a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

 

Hoje, com a retomada do caminho da democracia no Brasil, podemos vislumbrar um futuro promissor, apesar dos enormes desafios. O maior deles é a própria democracia. O risco de retrocessos é real. Muita energia política e social tem sido dedicada a isolar o golpismo. Mas é inaceitável que o país seja capturado pelas energias cáusticas conservadoras e antidemocráticas, tornando-se prisioneiro das pautas distópicas da extrema direita. Para o Brasil construir seu futuro, precisará sair desse universo restrito, medíocre, viciado e destrutivo.

Temos que propor políticas que qualifiquem a capacidade executiva do Estado e, a partir da nossa própria experiência histórica, criar novas abordagens, estratégias mais ousadas e mecanismos eficientes para um novo ciclo do cinema e do audiovisual – como outros países já fizeram, entre eles Coreia do Sul, China e França. As economias criativas, no entanto, não devem ser tratadas como um simples negócio lucrativo, sob risco de banalizar e empobrecer nosso repertório simbólico. Isso as tornaria mera atividade de entretenimento, precária e de curto prazo.

O ecossistema natural é uma boa metáfora para entendermos como deve ser encarado o universo simbólico na formulação de políticas. Na natureza, a combinação de fatores ambientais, como as águas, o solo, o clima e a interação de diversos organismos é o que permite o surgimento da vida de forma estável, equilibrada e autossuficiente. Para as políticas industriais das economias criativas, é o conjunto complexo e articulado do mundo da cultura que possibilita o florescimento artístico e garante a qualidade da sua diversidade, assim como o desenvolvimento sustentável das economias criativas. A indústria do audiovisual é uma delas. 

É preciso reconhecer a cultura como um direito de todos. A universalização do acesso à arte é condição basilar para a dignidade e para o desenvolvimento humano. É também essencial para as economias criativas a médio e longo prazos. O pleno acesso a todos a bens, serviços e equipamentos culturais, assim como o direito de expressão e de livre manifestação do pensamento, são direitos humanos fundamentais e princípios estruturantes para a cultura em uma democracia. 

Quanto mais gente consumindo e produzindo cultura e arte, maior essa economia e mais qualificado o mercado de produtos culturais. Os criadores e técnicos que darão suporte ao processo produtivo estarão em maior número e terão maior capacidade de projetar nossos conteúdos culturais no mercado interno e no mundo. 

A cultura em geral deve ser valorizada também pelo que significa na construção e na consolidação da democracia, pois atua como argamassa que dá liga à coesão social. Ela viabiliza o desenvolvimento da identidade e do sentimento de pertencimento. É um componente da qualificação das nossas relações sociais e facilita a integração de regiões e segmentos sociais excluídos ou com inserção precária na vida brasileira.

Por tudo isso, precisamos de duas estratégias distintas e articuladas: uma estratégia cultural, que cuide do desenvolvimento de toda a dimensão simbólica, da preservação e do florescimento cultural e das artes; e uma estratégia industrial, articulada com a primeira.

 

Antes do impeachment, estávamos próximos de adotar uma política industrial para o cinema e o audiovisual que seria, naquele momento, um salto de qualidade. Poderíamos ter construído um cinema e um audiovisual exuberantes do ponto de vista cultural e econômico. É esse o passo que devemos dar agora.

Política industrial, quando se fala em cultura, é um conjunto de ações governamentais destinadas a promover condições favoráveis para o crescimento, a modernização e a competitividade do setor. Podem ser incentivos fiscais, investimentos em infraestrutura, oferta de crédito, apoio à inovação tecnológica, formação de quadros, projetos de comércio exterior, entre outras iniciativas.

Através de parcerias público-privadas e programas de desenvolvimento industrial, o governo deve fortalecer a competitividade das empresas nacionais, aumentar a produtividade e ampliar a participação do país nos mercados interno e global. O monitoramento e acompanhamento contínuo dos resultados e o ajuste das estratégias são essenciais para assegurar a eficácia dessas políticas.

Hoje, por falta de uma política industrial que oriente as diversas instâncias públicas, cada instituição define isoladamente sua colaboração. Falta um planejamento integrado, com prioridades e metas comuns, com divisão de tarefas, com dimensionamento e direcionamento objetivo dos recursos. Não se trata mais de retomar do ponto onde essas políticas foram interrompidas. É um passo à frente. 

A realidade mudou muito desde então, e temos que considerar os desafios desse novo cenário. Os enormes avanços tecnológicos e as transformações do audiovisual após o surgimento do streaming, por exemplo, exigem novos regulamentos. Precisamos definir políticas para reerguer as salas de exibição, janela estratégica para o cinema brasileiro, e satisfazer com nossos filmes o público que as frequenta. É preciso urgentemente regular e retomar o controle do nosso mercado, sob risco de termos, dentro do território nacional, outros senhores do nosso destino, que se imponham à produção nacional independente. Devemos proteger nosso mercado de monopolizações, dumpings e cartelizações operados por plataformas e empresas globais. Tudo isso em um ambiente profundamente democrático, de plena liberdade, que valorize os criadores e onde o ato de criação seja respeitado por todos.

 

Parte 2: Cultura, economia e política industrial

As indústrias criativas estão entre as economias que mais crescem no mundo. São impulsionadas pela globalização e pelo desenvolvimento vertiginoso das tecnologias digitais. São consideradas um investimento prioritário nos países desenvolvidos e em muitos países em desenvolvimento, semelhantes ao Brasil. 

Segundo o relatório Creative Economy Outlook, publicado em 2022 pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), as indústrias culturais e criativas contribuíram significativamente para a economia global, compondo 3,1% do PIB mundial naquele ano. Em 2020, estima-se que as exportações de bens e serviços criativos representaram, respectivamente, 3% e 21% do total de exportações no mundo. O setor gerou em torno de 50 milhões de postos de trabalho.

Nos últimos dez anos, esse mercado vem passando pelas mudanças da era digital. Uma das consequências é a transformação do que antes eram bens criativos em serviços criativos, sendo o streaming o principal exemplo disso. A exportação de serviços criativos superou por larga margem as exportações de bens criativos no comércio internacional. Como mostra o relatório, o valor do mercado global de bens criativos passou de 419 milhões em 2010 para 524 milhões de dólares em 2020, enquanto o mercado de serviços criativos saltou de 487 bilhões em 2010 para 1,1 trilhão de dólares em 2020.

Dados do Observatório Itaú Cultural apontam que as indústrias criativas representaram 3,11% do PIB brasileiro em 2020 (proporção similar à média mundial). No que diz respeito às exportações, dados de 2022 mostram que o setor de moda é o mais valioso da nossa economia criativa, sendo responsável por 4,7 bilhões de dólares em exportações. Em seguida, temos Atividades Artesanais (4,6 bilhões), Artes Visuais (218 milhões), Editorial (43 milhões), Design (8 milhões), Publicidade (2 milhões), Museus e Patrimônios (0,5 milhão), Música (35 mil) e Arquitetura (7 mil). As exportações superaram as importações, de modo que houve um superávit de 3,43 bilhões de dólares.

Em 2022, havia 7,4 milhões de brasileiros empregados pelas indústrias criativas. Estima-se que deve haver um crescimento de 4,2% desse número até 2030.

Entre essas economias, que são ou poderão vir a ser extremamente relevantes cultural e economicamente, algumas são essencialmente atividades industriais: as chamadas indústrias criativas. Algumas podem vir a ser importantes para o desenvolvimento do país. No campo econômico, as economias criativas devem ser consideradas pela riqueza que produzem diretamente, pelos empregos, pela ocupação, pela renda e também pela repercussão em outras economias. O turismo e o Carnaval são dois exemplos de como a economia criativa pode promover desenvolvimento e gerar riquezas em diferentes regiões.

Para que as economias criativas se desenvolvam plenamente ainda nesta primeira metade do século, será preciso incluí-las no projeto de desenvolvimento do país como política de Estado e prioridade nacional. 

O estabelecimento dessa prioridade deve envolver ministérios e órgãos governamentais, além do próprio setor, na formulação e execução das políticas industriais. Será necessário um modelo de gestão mais complexo, com uma coordenação central – uma espécie de comitê intersetorial. 

Algumas economias criativas já se encontram em plena maturidade no Brasil – caso da indústria do livro. Outras estão depreciadas, afetadas pela pandemia ou pela hostilidade do governo passado. O papel do governo, neste momento, é potencializar o desenvolvimento desses mercados, aprimorando o processo produtivo e os produtos finais. 

 

As economias criativas são tratadas no Brasil, desde o primeiro governo Lula, como parte das políticas culturais, o que é correto do ponto de vista conceitual. Porém, para que essas economias possam se desenvolver plenamente, será necessário que sejam compreendidas em suas múltiplas dimensões. Devem ser vistas também como parte do desenvolvimento econômico do país. A indústria do cinema e do audiovisual, a indústria do livro, a indústria da música, a moda, o Carnaval, efemérides e celebrações como São João e o ciclo de festas juninas, o show business, o artesanato, a gastronomia são exemplos de grande relevância cultural que devem ter seu potencial considerado também no projeto de desenvolvimento econômico nacional.

Devemos estar preparados, desde já, para o papel cada vez maior que a economia criativa terá em um futuro próximo, no Brasil e no mundo. Este é o momento de desenvolvermos um trabalho amplo e multissetorial, ampliando o ambiente favorável ao desenvolvimento dessa indústria. 

A formulação de uma estratégia industrial para o cinema e o audiovisual vai exigir a construção de diversas políticas setoriais: educação e formação, infraestrutura, exportação, comunicação. O primeiro passo é a criação de uma frente que envolva o governo, os partidos democráticos, o Congresso Nacional e a sociedade organizada.

Dar destaque e priorizar a indústria do cinema e do audiovisual nesse processo – incluindo games, cinema de animação, séries televisivas e o streaming – não implica excluir as demais economias. Muitas delas também precisam de tratamento imediato por parte do governo. Mas a precedência para o cinema e o audiovisual se justifica. Seus produtos, além de serem uma expressão cultural ao alcance de todos, poderão constituir uma poderosa economia no Brasil. Os investimentos que foram feitos em um passado recente estão disponíveis, ainda hoje, para serem potencializados.

Considerando o histórico do cinema brasileiro e o potencial econômico do audiovisual, estamos diante de uma oportunidade e uma necessidade urgentes de definir o lugar do setor nas políticas de industrialização do país.

 

Embora o ambiente hoje seja favorável, a construção de um cinema e um audiovisual economicamente fortes e culturalmente relevantes exige de nós lucidez. A questão não se resume a dinheiro. A expansão do setor depende de sua inserção nas políticas de desenvolvimento industrial. É um processo que demanda infraestrutura, regulação, crédito, mão de obra qualificada, assistência e outros aportes com os quais o Estado tem condição de contribuir.

Um dos desafios imediatos é reorganizar e regular o mercado cinematográfico e do audiovisual, que foi sensivelmente afetado pelo governo Bolsonaro. A desordem tem feito com que o enorme investimento público de décadas esteja beneficiando empresas transnacionais. A continuidade dessa apropriação indevida, que inclui direitos autorais e patrimoniais, será o fim do sonho de muitas gerações que se dedicaram à formação de um cinema nacional independente. 

Temos que criar regras de mercado para proteger nosso cinema de ações predatórias e para promover o desenvolvimento de uma produção nacional competitiva. Com uma regulação adequada, a prestação de serviços e as parcerias com plataformas globais podem vir a ser uma importante economia complementar, sem conflitar com a produção local e sem se sobrepor aos interesses nacionais. A falta de uma política industrial nos fragiliza em um ambiente global altamente concorrencial, dominado pela indústria cinematográfica do hemisfério norte, mais bem estruturada.

O processo de consolidação da nossa democracia terá como uma das suas missões fazer a correção do rumo histórico do Brasil, ainda hoje estruturado nos moldes de uma economia periférica, dependente, de matriz colonial-exportadora, fornecedora de commodities agrícolas e minerais. A partir do desenvolvimento das políticas industriais, entre elas as economias criativas, poderemos ter uma economia diversificada com um setor industrial forte e moderno. Nada mais decolonial do que a consolidação de um cinema nacional independente. 

A grandeza da sétima arte reside na sua capacidade de expressar nossa maneira singular de estar no mundo como brasileiros e brasileiras. Estamos falando de um cinema que expresse nossas múltiplas visões, nossa sensibilidade, nossas angústias e incertezas; que retrate nossa cultura e nossa vida. Um produto capaz de incorporar a riquíssima diversidade cultural, política, ideológica, geográfica e étnica do país.

Para tirar o sonho do papel, será preciso, antes de tudo, criar um comitê coordenador multissetorial. Precisamos de um diálogo constante com o setor e com a sociedade, para que todos possam contribuir e para que nosso cinema seja acolhido pelo povo brasileiro. Precisaremos também criar um observatório ou centro de formulação das estratégias que, além de produzir dados e estudos sobre esse mercado, oriente o governo e os empreendedores no desenvolvimento das indústrias criativas em geral. Tal estrutura permitirá a tomada de decisões objetivas e precisas.

As universidades e centros de formação públicos e privados, como o Sistema S, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e outras, podem ter papel importante na formação de quadros técnicos. Precisaremos, ainda, de uma eficiente política de comunicação e promoção para dar apoio ao desenvolvimento da economia do cinema e do audiovisual. 

Além de uma importante expressão cultural, nosso cinema e nosso audiovisual devem ser uma fonte de pulsação deste país que luta para ser uma democracia com justiça social e sustentabilidade ambiental. Nosso cinema precisa ser visto como parte da nossa soberania e da afirmação do Brasil como uma grande nação democrática.