REINALDO AZEVEDO
O espetacular GrandeOtelo no filme "Macunaíma", de Joaquim Pedro de Andrade: "Ai! que preguiça!
Como exclamava Macunaíma quando o incitavam a falar, a gente tem a tentação de dizer, não sem certo tédio, de acordo com a pontuação do livro de Mário de Andrade:
"Ai! que preguiça!..."
Como se nota, Mário tentou alongar a palavra em reticências, assim, como a fazer durar a indolência.
Leio em toda parte que os "Mercáduz" — e há até quem empreste, sem constrangimento, o próprio nome às aspas — reagiu mal ao discurso de Lula porque entendeu que ele pretende que o BNDES e os bancos públicos — Banco do Brasil e CEF — atuem em favor do crescimento e do desenvolvimento. Aí um dos bravos "Duzmercáduz" entendeu, e vocalizo isto, que o presidente está dizendo que haverá "gastança" — eita palavrinha! — sem, no entanto, haver uma compensação em receita.
Confesso que nem entendi e o raciocínio, e acho que ninguém entenderia, porque, salvo melhor juízo, o BNDES é um ente de fomento, e seu papel é mesmo financiar iniciativas públicas e privadas de acordo com prioridades definidas por esse ente e pelo próprio governo. Ou, então, BNDES para quê? Pode-se até fazer tal discussão, claro! A inferência de que sua atuação, por si, possa ser deletéria é mera ideologia.
Eu não sabia que os bancos, públicos ou privados, tem de compensar empréstimos com receitas, na linha: "Sai por aqui, entra imediatamente por ali". Quando fiz curso técnico de contabilidade, lá na segunda infância, o Livro Razão, nesse particular, se fazia assim: de um lado, empréstimo de "3 X"; do outro lado, "3X" a receber. Se e quando houvesse calote — um mau empréstimo —, era preciso contabilizar o prejuízo, mas aí no balanço, né? Alguém aí ousa sugerir que o Banco do Brasil só financie a safra se tiver um contraponto em receita para tudo o que for aplicado na operação?
Isso é um absurdo em si, pura ideologia! Não se trata de demonizar os mercados, que não funcionam como um ente que tem um cérebro central, com o qual seja possível dialogar. Mas há, sim, o movimento de manada, que se caracteriza justamente pela ausência de um cérebro... E, bem, dispensável dizer que ainda estamos sob o impacto da era do gado bípede...
"Ah, mas a fala de Lula sugere que haverá gastança com o social". Não sei se gastança. Mais preocupação com a área do que demonstrou o governo delinquente que acabou, ah, isso sim. "Olhem o tombo das ações da Petrobras". Tenho vontade, com a tal preguiça, de escrever: "Depois elas sobem, relaxem..." Mas não resisto.
A Petrobras está em queda, dizem, porque Lula decidiu tirá-la da rota da privatização... É mesmo? Irresponsável foi incluí-la no plano, sabendo que nunca aconteceria, só porque o biltre de plantão estava agastado com o preço dos combustíveis. "Ah, mas Lula já disse que não vai privatizar..." Sim, é isto: goste-se ou não, foi a proposta vitoriosa nas urnas. A propósito: o governo anterior fez a privatização — e de meia-tigela — da Eletrobras apenas. E, ainda assim, com uma montanha de dinheiro público para atender às patranhas de alguns nababos. No mais, o que se viu foram concessões.
Quando fiquei sabendo da queda da Bolsa e da elevação do dólar, pensei: "Ah, os patriotas do mercado estão reagindo porque descobriram que, no apagar das luzes, Bolsonaro e sua laia decidiram algumas desonerações que implicarão perda de arrecadação para o futuro governo entre R$ 10 bilhões e R$ 15 bilhões". Eis aí os varões de Plutarco que fogem para Orlando... Mas não!
"Ah, é que esperávamos que o novo governo não fosse manter a desoneração dos combustíveis..." Pela ordem: Fernando Haddad, ministro da Fazenda, não havia dito que ela seria extinta. Apenas pediu ao antigo governo que evitasse mexer com a arrecadação futura em seus três últimos dias e deixasse as escolhas para a futura gestão. No caso dos combustíveis, talvez por cálculo, deixaram a coisa como estava. Mas mexeram de forma sorrateira com outros tributos em áreas menos visíveis, como o corte de 50% de Pis/Cofins sobre lucros financeiros de empresas que operam em regime de lucro real. Só essa brincadeira custa R$ 5,8 bilhões em 12 meses. O atual governo decidiu suspender a medida, mas, tecnicamente, isso é considerado elevação de tributos e cai na regra na noventena. A perda de arrecadação também nesse caso é certa.
Mas voltemos aos combustíveis. É evidente que me oponho a uma tributação zero de gasolina, por exemplo. No caso do gás, acho que tem de ser mantida — sim, por razões sociais, pedindo vênia aos bravos... Quanto ao diesel, talvez seja o caso de pensar um regime especial. Mas tudo isso vai depender também de uma nova política de preços de combustíveis. Que virá. Podem começar a pôr o dedo no gatilho da especulação. Uma coisa é certa: nenhum novo governo com um tantinho de bom senso aceitaria passivamente a elevação do preço dos combustíveis logo no primeiro dia de mandato em razão de delinquências tributário-eleitorais praticadas pelo governo anterior.
BANCOS PÚBLICOS
A despeito da zorra fiscal do governo Bolsonaro e de um Orçamento delinquente que haviam previsto para 2023, o segredo mais mal guardado da República era o candidato preferido da maior parte "Duzmercádus". Como não era por amor à disciplina fiscal, já que não havia nenhuma, então era por alinhamento ideológico mesmo. Fazer o quê? Boa parte ainda imita arminha com a mão quando se fala em pobres...
A título de ilustração, transcrevo trecho de uma reportagem publicada pelo Estadão no dia 26 de junho do ano passado. Leiam com atenção:
"Um dos auxiliares mais próximos do presidente Jair Bolsonaro, Pedro Guimarães pilotava a Caixa Econômica Federal a todo vapor a poucos meses das eleições presidenciais. Nos últimos meses, o banco acelerava as concessões de crédito imobiliário e agrícola, dois dos mais importantes setores da base de apoio a Bolsonaro, na contramão dos pares, que adotaram cautela diante da deterioração da economia e piora da inadimplência. O presidente busca a reeleição em outubro e está em segundo lugar nas principais pesquisas de intenção de voto.
Guimarães deixou a Caixa no dia do anúncio do Plano Safra 2022/2023, que era citado por ele com frequência. Por sua iniciativa, a Caixa passou a participar do programa do governo, e neste ano, pleiteava um volume maior de recursos para abrir espaço no setor.
Capitalizada, em parte por causa das vendas de ativos feitas por Guimarães desde 2019, a Caixa abriu os cofres na primeira metade do ano. No mercado imobiliário, o banco relançou o chamado Plano Empresário e reeditou benesses aos compradores de imóveis.
Também concedeu descontos em algumas taxas, mesmo diante da subida da Selic pelo Banco Central. Para tanto, vinha apostando no crédito com recursos da poupança, enquanto o financiamento via Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) esbarrava no aumento dos custos do setor.
"Se alguém botar o pé no freio, nós vamos botar o pé no acelerador", disse Guimarães na semana passada, em evento da Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil (Cbic).
No agronegócio, o objetivo era desbancar o líder Banco do Brasil até 2024. Guimarães afirmava que a Caixa havia saltado da oitava para a segunda posição no setor, informação questionada por concorrentes, como mostrou o Estadão/Broadcast Agro. Em fevereiro, o banco antecipou linhas subsidiadas de custeio mesmo diante do esgotamento de recursos do Tesouro para a equalização das taxas de juros."
Ah, não pensem que os valentes "Duzmercáduz" fizeram como Tambor, no filme "Bambi", e começaram a bater o pé para anunciar "Fogo, fogo na floresta" — ou "fogo nas contas públicas". Quando Guimarães caiu, sob a acusação de assédio sexual e moral, houve quem lamentasse: "Era um bom executivo..." Imaginem se a nova presidente da Caixa, Haddad ou Lula anunciasse: "Se alguém botar o pé no freio, nós vamos botar o pé no acelerador"... Há quem esteja hoje especulando em cena aberta porque está desconfiado de que o BNDES vai se comportar como um banco de fomento e de que o Banco do Brasil e CEF abrirão linhas de crédito...
Nesta segunda, Haddad assumiu o Ministério da Fazenda, sem os cumprimentos de Paulo Guedes porque ele também já se mandou, e fez profissão de fé na responsabilidade fiscal:
"Não estamos aqui para aventuras. Estamos aqui para assegurar que o país volte a crescer para suprir as necessidades da população naquilo que são seus direitos constitucionais em saúde, educação, no âmbito social e, ao mesmo tempo, para garantir equilíbrio e sustentabilidade fiscal".
E então gritam:
"Não basta! Queremos ver os cortes de gastos. Podíamos suportar sem problemas as PECs na boca da urna e os sucessivos furos no teto de gastos... Afinal, sabem como é, era um dos nossos..."
E insistem:
"Mas o Lula chamou o teto de gastos de "estupidez".
Só para lembrar: o teto de gastos foi enterrado pela PEC da Responsabilidade Orçamentária, que prevê a criação de outra âncora fiscal. Um destaque do Novo para dar sobrevida ao dito-cujo não foi aprovado. E só para arrematar: Guedes era um crítico do teto — falou mal dele a cada vez que permitiu que fosse furado por razões eleitoreiras. Quando tentou explicar por que não havia dinheiro para o seu governo fechar as contas, ele fez o quê? Culpou o teto.
Água morro abaixo, fogo morro acima e especuladores no cio, bem, ninguém segura. Novo governo terá de mirar o ponto a que quer chegar e avançar, sem dar muita bola para os arruaceiras da quinta série. Afinal, eles acham que BNDES atuar como banco de fomento é coisa de quem defende gastança sem contrapartida em receita... Mais um pouco e dirão ser coisa de "comunista".
"Ai! que preguiça!...
02/01/2023
"Ai! que preguiça!..."
A despeito da zorra fiscal do governo Bolsonaro e de um Orçamento delinquente que haviam previsto para 2023, o segredo mais mal guardado da República era o candidato preferido da maior parte "Duzmercádus". Como não era por amor à disciplina fiscal, já que não havia nenhuma, então era por alinhamento ideológico mesmo. Fazer o quê? Boa parte ainda imita arminha com a mão quando se fala em pobres...
"Um dos auxiliares mais próximos do presidente Jair Bolsonaro, Pedro Guimarães pilotava a Caixa Econômica Federal a todo vapor a poucos meses das eleições presidenciais. Nos últimos meses, o banco acelerava as concessões de crédito imobiliário e agrícola, dois dos mais importantes setores da base de apoio a Bolsonaro, na contramão dos pares, que adotaram cautela diante da deterioração da economia e piora da inadimplência. O presidente busca a reeleição em outubro e está em segundo lugar nas principais pesquisas de intenção de voto.
Guimarães deixou a Caixa no dia do anúncio do Plano Safra 2022/2023, que era citado por ele com frequência. Por sua iniciativa, a Caixa passou a participar do programa do governo, e neste ano, pleiteava um volume maior de recursos para abrir espaço no setor.
Capitalizada, em parte por causa das vendas de ativos feitas por Guimarães desde 2019, a Caixa abriu os cofres na primeira metade do ano. No mercado imobiliário, o banco relançou o chamado Plano Empresário e reeditou benesses aos compradores de imóveis.
Também concedeu descontos em algumas taxas, mesmo diante da subida da Selic pelo Banco Central. Para tanto, vinha apostando no crédito com recursos da poupança, enquanto o financiamento via Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) esbarrava no aumento dos custos do setor.
"Se alguém botar o pé no freio, nós vamos botar o pé no acelerador", disse Guimarães na semana passada, em evento da Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil (Cbic).
No agronegócio, o objetivo era desbancar o líder Banco do Brasil até 2024. Guimarães afirmava que a Caixa havia saltado da oitava para a segunda posição no setor, informação questionada por concorrentes, como mostrou o Estadão/Broadcast Agro. Em fevereiro, o banco antecipou linhas subsidiadas de custeio mesmo diante do esgotamento de recursos do Tesouro para a equalização das taxas de juros."
"Não estamos aqui para aventuras. Estamos aqui para assegurar que o país volte a crescer para suprir as necessidades da população naquilo que são seus direitos constitucionais em saúde, educação, no âmbito social e, ao mesmo tempo, para garantir equilíbrio e sustentabilidade fiscal".
"Não basta! Queremos ver os cortes de gastos. Podíamos suportar sem problemas as PECs na boca da urna e os sucessivos furos no teto de gastos... Afinal, sabem como é, era um dos nossos..."
"Mas o Lula chamou o teto de gastos de "estupidez".
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