'Não sei se sinto dó ou raiva': o que dizem as famílias de golpistas
"Meus familiares já eram bolsonaristas antes de Bolsonaro aparecer", diz Roberto Lemos, 38, publicitário baiano que vive em São Paulo. Ele se refere aos parentes que passaram os últimos anos em discussões com o restante da família para defender o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e, principalmente, para atacar a esquerda.
Nos últimos meses, as discussões e fake news em grupos de WhatsApp e conversas inflamadas nos almoços de família mudaram para a frente do quartel em Salvador — e culminaram em desculpas de que a destruição causada pela tentativa de golpe em Brasília, no domingo (8), não teve participação dos grupos golpistas (teve).
'Avós agressivos'
F.B., 43, passou a ceia de Natal na casa dos sogros porque os filhos adolescentes estavam com saudade dos avós. Mas o clima não era dos melhores: desde as eleições, o casal estava frequentando o acampamento golpista em frente ao quartel da avenida Alfredo Pujol, em Santana, na zona norte de São Paulo.
"Eles iam todo dia, levavam megafones e caixas de som... Não sei se sinto dó por acreditarem e compartilharem mentiras ou se fico com raiva", diz F.B., que preferiu não se identificar para não "piorar a situação". Sua mulher, J.A., 38, desistiu de argumentar com os pais. Quando eles mandam notícias mentirosas no grupo, ela se limita a digitar "fake".
Na ceia de Natal, F.B. até tentou explicar que o correto seria aceitar o resultado das eleições, mas o resto da família desencorajou o diálogo. O neto, de 14 anos, reclamou que o avô ficou ainda mais radical desde a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), postando todos os dias notícias mentirosas ou montagens.
Desde domingo, após a tentativa de um parente explicar que o golpe era errado e todos condenarem o vandalismo no Congresso, o pai de J.A. saiu do grupo de WhatsApp e se recusou a falar com qualquer outro familiar. "Meus filhos sabem diferenciar e não partem para o conflito. Mas, por outro lado, me corta o coração que eles vejam os avós tão agressivos assim", ele diz.
'Não foi da noite para o dia'
"Convidamos minha tia para passar o Natal com a gente, em São Paulo, mas ela afirmava que teria uma guerra no país e não sairia de Florianópolis", contou D.Z, 47, que trabalha com marketing digital. A tia frequentou os acampamentos em frente aos quartéis até domingo (8).
No grupo da família, D.Z. tinha contato diário com a tia, que mora a 700 km de distância. "Todo mundo posta fake news e montagens o tempo todo. Logo se percebe que não têm veracidade, mas evitamos conversar sobre o assunto para não ter embate. Adotamos essa filosofia de não dar palco para eles porque nessas situações não tem conversa, sempre vira uma verbalização mais exaltada", diz. A idosa filmava o grupo (muitos idosos, todos amigos) no quartel, pedia apoio do Exército, compartilhava os vídeos por WhatsApp e voltava para casa.
"O que aconteceu no domingo não foi da noite para o dia. O que se vê é um fanatismo que parece saudosismo. Aprendi na escola que a ditadura não foi um período bom, mas eles parecem sentir falta de algo que aconteceu nessa época", diz D.Z., que mostrou posts que circulam no grupo — entre eles, fake news sobre morte de idosos presos em Brasília, quando, na verdade, todos os idosos foram liberados até terça (10).
"Sempre existiu uma oposição, mas nunca houve essa polaridade violenta. As pessoas se afastaram, amigos foram bloqueados. A gente sente falta da época em que as pessoas não tinham tanta raiva assim e podiam apenas discordar", afirma, desapontada.
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