Secas e escassez de água: mudança climática influenciou declínio dos Maias
Em uma semana que o Brasil registrou temperaturas superiores a 45ºC devido a mudanças climáticas somadas a um forte El Ñino, torna-se pertinente falar como na história da humanidade populações já colapsaram pela mudança climática.
A civilização Maia, uma das mais impressionantes e sofisticadas populações da América Central, floresceu entre os séculos 3º e 15 d.C. nas terras que atualmente compreendem o sul do México, Guatemala, Belize, Honduras e El Salvador.
Conhecidos por suas pirâmides, observatórios astronômicos e avanços em ciência, arte e matemática, os Maias prosperaram por séculos, mas eventualmente enfrentaram um misterioso declínio que intrigou os arqueólogos e historiadores por décadas.
As teorias para explicar o desaparecimento dos Maias têm sido numerosas, incluindo guerras, colapso econômico e mudanças sociais. No entanto, estudos mais recentes destacaram o papel significativo das mudanças climáticas na queda dessa civilização.
O Ambiente Maia e as Mudanças Climáticas
A civilização Maia dependia fortemente de recursos naturais para sustentar sua população em rápido crescimento. A região era caracterizada por uma diversidade de ecossistemas, desde florestas tropicais exuberantes até planícies e terras altas. A agricultura era a base da subsistência Maia, e eles desenvolveram técnicas avançadas de cultivo, como a agricultura em terraços e o uso de sistemas de irrigação.
No entanto, essa complexa estrutura agrícola também tornou os Maias suscetíveis às flutuações climáticas. A região experimentava ciclos de secas prolongadas e chuvas irregulares, fatores que desempenharam um papel crucial no colapso da civilização.
As mudanças climáticas afetaram os padrões de cultivo, levando à instabilidade alimentar e ao esgotamento de recursos naturais essenciais
Secas e Escassez de Água
Estudos paleoclimáticos e análises de sedimentos mostram que os Maias enfrentaram várias secas significativas ao longo dos séculos. Os dados científicos apontam que essas secas tenham sido agravadas pelas práticas agrícolas intensivas dos Maias, como o desmatamento para abrir espaço para mais terras agrícolas. A perda de vegetação reduziu a capacidade da região de reter a água, tornando-a ainda mais vulnerável aos efeitos das secas.
Em estudo publicado no periódico Science, um dos periódicos científicos mais prestigiados do mundo, foi demonstrado que uma grande seca prolongada precedeu a queda da civilização Maia, influenciando seu declínio.
Esgotamento dos Recursos Naturais
O rápido crescimento populacional dos Maias levou ao esgotamento de recursos naturais, como a madeira, necessária para construir estruturas, e a fauna local, caçada para suprir as necessidades alimentares da população em expansão. A caça e o desmatamento excessivo levaram a um desequilíbrio no ecossistema, reduzindo a biodiversidade e a resiliência da região às mudanças climáticas. Preocupantemente, já vemos este mesmo efeito sobre a região Amazônica nos tempos atuais, que enfrenta uma das maiores secas da região dos últimos 90 anos.
Declínio Econômico e Social
As secas prolongadas e a escassez de recursos naturais afetaram gravemente a economia Maia. O comércio, que era uma parte essencial da vida Maia, foi prejudicado pela dificuldade de transportar mercadorias e alimentos por vias fluviais e terrestres devido à escassez de água. Este mesmo fenômeno tem sido observado na região Amazônica, sendo causado pelas mudanças climáticas antrópicas nos dias de hoje. Esta semana, o tráfego de pessoas e mercadorias foi afetado pela extrema seca na Amazônia, demonstrando o quanto grave as mudanças climáticas podem ser para afetar a vida humana e a biodiversidade.
No caso dos Maias, o declínio econômico resultou em tensões sociais e políticas dentro das cidades-estado. A instabilidade política enfraqueceu ainda mais a capacidade dos Maias de enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas, tornando-os vulneráveis a invasões externas.
A conclusão do declínio Maia
Embora não possamos atribuir exclusivamente o desaparecimento dos Maias a um único fator, a evidência sugere que as mudanças climáticas desempenharam um papel importante em seu declínio. A combinação de secas prolongadas, escassez de água e esgotamento de recursos naturais criou um ambiente de pressão insustentável para essa civilização avançada.
A história dos Maias serve como um lembrete importante dos impactos que as mudanças climáticas podem ter sobre as civilizações humanas. É um alerta para a necessidade de compreender e enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas contemporâneas, buscando soluções sustentáveis e resilientes para garantir o futuro de nossa própria sociedade. Somente através de esforços colaborativos e conscientes podemos evitar que os erros do passado se repitam e permitir que nossas civilizações prosperem mesmo diante das adversidades climáticas.
A crise climática atual
O Brasil vem registrando recordes de temperatura em todo país por uma onda de calor propiciada pela El Niño e as mudanças climáticas. A região Amazônica já enfrenta uma das maiores secas. Entretanto, os governantes atuais parecem ignorar a história do declínio Maia e os cientistas atuais, que apontam que estamos perto do ponto de inflexão para a manutenção da Amazônia, que é fundamental para controle do clima global.
Em meio a atual crise hídrica que isola muitos municípios e vilarejos no interior do Amazonas e que já causou a morte de milhares de peixes, além de outros animais, como mais de cem botos (tipo de golfinho de água doce), políticos da região usam a seca para promover lobby de uma rodovia que rasga a Amazônia como uma alternativa ao suposto isolamento. O governador do estado do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil), o senador Omar Aziz (PSD) e o senador Eduardo Braga (MDB-AM), são alguns destes políticos que tem defendido a reconstrução da rodovia BR-319, uma obra abandonada desde 1988 devido a sua inviabilidade econômica.
Entretanto, um estudo recente publicado no periódico Conservation Biology, apontou que, se pavimentada, a rodovia estenderia as anomalias climáticas já observadas no arco do desmatamento amazônico até a Amazônia central. Em um segundo estudo publicado no renomado periódico científico Die Erde, que é editado pela associação geográfica de Berlim, foi apontado que a pavimentação da rodovia BR-319 tende a ampliar o desmatamento, levando ao colapso da Amazônia e do ciclo de chuvas do país. A rodovia BR-319 tem fomentado a expansão do desmatamento, extração de madeira ilegal, pecuária e expansão da agricultura em terras griladas, como apontado pelos periódicos científicos Land Use Policye Nature, sendo o desmatamento e expansão da agricultura os mesmos fatores que contribuíram com os eventos climáticos extremos que afetaram a civilização Maia.
Neste momento, é crucial que defendamos a Ministra Marina Silva, que vem sendo atacada por estes mesmos políticos por defender uma decisão técnica sobre a rodovia BR-319. Uma centena de estudos científicos são claros ao afirmarem que a rodovia é inviável do ponto de vista econômico, ambiental e social. Esta decisão precisa ser técnica frente ao novo colapso climático que esta obra pode conduzir o Brasil e o mundo.
#RodoviaBR-319não!
*Lucas Ferrante é biólogo, mestre e doutor em Biologia (Ecologia) e ganhador do "The ChicoMendes Courage Award" em 2023 pelo Sierra Club, um dos mais importantes prêmios em ecologia no mundo, devido aos seus estudos sobre a rodovia BR-319.
25/10/2023
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