Reportagem
Resistência se organiza e toma ruas pelo mundo em desafio à extrema direita
Diante das estratégias de desestabilização implementadas por movimentos de extrema direita pelo mundo, grupos de resistência e governos começam a reagir. Nesta segunda-feira (29), o presidente do governo espanhol, Pedro Sánchez, se recusou a renunciar, depois que um tribunal aceitou uma denúncia contra sua mulher costurada pela extrema direita espanhola.
No discurso em que anunciou que permaneceria no poder, Sánchez apontou justamente para o fenômeno que toma a Europa, os EUA, a América Latina e a democracia pelo mundo: a desinformação como base de uma decisão política.
"Se permitirmos que farsas deliberadas conduzam o debate político, se forçarmos as vítimas dessas mentiras a terem que provar sua inocência contra o Estado de direito. Se permitirmos que o papel das mulheres seja relegado à esfera doméstica, tendo que sacrificar suas carreiras em benefício de seus maridos. Se, em resumo, permitirmos que a irracionalidade se torne rotina, a consequência será que teremos causado danos irreparáveis à nossa democracia", alertou.
Sanchez ainda denunciou a tentativa de "confundir a liberdade de expressão com a liberdade de difamação". "Trata-se de uma perversão democrática com consequências desastrosas", disse.
Sua decisão de continuar ocorre, segundo ele, por representar uma resposta ao "movimento reacionário global que visa impor sua agenda regressiva por meio da difamação e da falsidade". "Vamos mostrar ao mundo como se defende a democracia", prometeu.
A denúncia que abriu a crise política havia sido apresentada pela entidade Manos Limpias, de extrema direita, contra Begoña Gómez, esposa de Sánchez. Ela era acusada de tráfico de influência e corrupção em um suposto caso envolvendo recursos de um resgate do Estado espanhol para a companhia aérea Air Europa.
Os autores da denúncia reconheceram que apresentaram a queixa a partir de informações de artigos de jornais, muitos dos quais eram peças de desinformação. A procuradoria espanhola se negou a embarcar na queixa. Mas, mesmo assim, um tribunal aceitou examinar o pedido.
Sánchez, ao decidir ficar, adotou uma estratégia contrária ao caso que chacoalhou Portugal há poucos meses, também com uma denúncia de corrupção contra o governo socialista em Lisboa e que levou o Executivo a renunciar. Ao se convocar eleições, a extrema direita mostrou sua força e chegou na terceira posição.
O caso de Portugal foi considerado em Madri, que, nos últimos dias, viu uma manifestação de 5.000 pessoas pelas ruas da cidade, com o lema "por amor à democracia", e pedindo que o chefe de governo não renunciasse.
O mundo da cultura na Espanha também reagiu. "Temos que sair às ruas", afirmou a atriz Marisa Paredes. "Temos de gritar e dizer que não voltaremos ao passado", insistiu. O auditório Marcelino Camacho reuniu artistas como Luis García Montero, Benjamín Prado e Miguel Ríos, além da leitura de uma carta de Pedro Almodóvar, em apoio ao governo.
Eixo EUA-UE
A operação de resposta em Madri ocorre dias depois de a extrema direita mundial reunir seus principais líderes em Budapeste para articular uma aliança para avançar nas principais eleições em 2024, em especial para o Parlamento Europeu, em junho, e nos EUA em novembro. A ideia seria criar um eixo entre Europa e EUA, comandado pelo movimento ultraconservador.
Parte dessa estratégia pelo poder envolve ainda o apoio mútuo de líderes de diferentes partes do mundo, cada vez que um deles vai às urnas. Assim, é esperado que Javier Milei, presidente da Argentina, faça uma viagem até a Espanha para apoiar o principal comício do partido herdeiro do franquismo, o Vox, antes das eleições europeias.
Mas, em casa, Milei descobriu a dimensão da resistência argentina contra suas políticas e o desmonte de políticas de Estado. Na semana passada, as ruas de Buenos Aires e de outras grandes cidades do país foram tomadas por milhares de pessoas, que protestavam contra o novo presidente argentino.
Oficialmente, o movimento era de estudantes e professores, que resistiam à tentativa de Milei de cortar entre 60% e 70% dos orçamentos das universidades. O protesto teve o apoio de sindicatos e trabalhadores.
A extrema direita também recebeu um recado duro das ruas de Lisboa, quando milhares de pessoas tomaram o centro da cidade para comemorar, no último dia 25 de abril, os 50 anos da queda da ditadura que mergulhou o país numa crise sem precedentes.
Nos cartazes que circulavam pelas ruas da cidade, as referências não eram aos aliados de Salazar, mas à ameaça da extrema direita em pleno século 21, por meio do partido xenófobo Chega.
O governo de Benjamin Netanyahu, apoiado por alguns dos principais nomes da extrema direita israelense, também passou a enfrentar a ira da população nas ruas de Tel Aviv. Em repetidas ocasiões e mesmo nesta segunda-feira, milhares de israelenses saíram para protestar e pedir novas eleições. A principal queixa se refere ao fato de o governo não estar priorizando a liberação dos reféns mantidos pelo Hamas e usando o fato para justificar a ofensiva militar. "Salvem os reféns de Netanyahu", afirmava uma placa levantada pelos manifestantes nesta segunda-feira.
Os atos ecoaram ainda pelas universidades americanas, causando o maior e mais polêmico movimento estudantil em décadas nos EUA. Líderes republicanos conservadores pressionam o governo de Joe Biden a enviar a Guarda Nacional para reprimir os protestos.
Pesquisas de opinião em Israel apontam que a maioria da população culpa Netanyahu por uma séria falha de segurança nos ataques terroristas do Hamas, em 7 de outubro.
Mas os aliados da extrema direita de Netanyahu pressionam o primeiro-ministro a não aceitar qualquer tipo de cessar-fogo, alegando que qualquer acordo seria o equivalente a uma derrota.
Nenhum comentário:
Postar um comentário