Lênio Streck: “depoimento de Freire Gomes é o mais fidedigno para provar o golpe de Estado”
“Fosse no curso de arbitragem de futebol, seria o pênalti de carteirinha: o zagueiro segura a bola com as duas mãos no meio da área”, comparou
247 - O jurista Lênio Streck afirmou que o depoimento do general Marco Antônio Freire Gomes, que comandou o Exército durante o governo Bolsonaro em 2022, concedido à Polícia Federal, pode ser considerado como o "mais fidedigno para provar o golpe de Estado”.
“Coisa inusitada em países com constituições democráticas: O próprio comandante do Exército (Freire Gomes) dá o testemunho. Ninguém em sã consciência pode imaginar um testemunho mais fidedigno para provar a urdidura de um golpe de Estado”, iniciou
“O sonho de qualquer Promotor no mundo, para embasar uma denúncia criminal de tentativa de golpe de estado, é o de ter um testemunho dado pelo comandante do exército do governo golpista. Fosse no curso de arbitragem de futebol, seria o pênalti de carteirinha: o zagueiro segura a bola com as duas mãos no meio da área”, acrescentou.
Saiba mais- depoimento do ex-comandante do Exército Freire Gomes emergiu como um ponto crítico no inquérito que investiga supostas articulações golpistas envolvendo Jair Bolsonaro (PL). Considerado pelos aliados do ex-mandatário como o "relato mais grave" até então, segundo Bela Megale, do jornal O Globo, o testemunho do general trouxe à tona detalhes perturbadores sobre encontros no Palácio da Alvorada, onde teriam sido discutidas medidas para impedir a posse do presidente Lula (PT) e consumar o golpe de Estado.
Freire Gomes descreveu sua participação em reuniões com Bolsonaro e o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira, onde teria sido apresentada uma minuta golpista. O ponto mais alarmante é a confirmação de que o próprio Bolsonaro teria proposto e discutido o conteúdo do documento, delineando estratégias que incluíam a possibilidade de uso de instrumentos jurídicos como Garantia da Lei e da Ordem (GLO), Estado de Defesa e Estado de Sítio em relação ao processo eleitoral.
Saiba quem é quem no roteiro do golpe proposto por Bolsonaro
Depoimentos de importantes integrantes do primeiro escalão do governo Bolsonaro, entre eles dois ex-comandantes das Forças Armadas, colocam o ex-presidente no centro de um plano para evitar que Lula assumisse a Presidência da República
Depoimentos mostram que Bolsonaro buscou algo que pudesse mantê-lo no poder. - (crédito: Fotos: kleber sales)
Fabio Grecchi
Vinicius Doria
postado em 16/03/2024 03:00 / atualizado em 16/03/2024 07:54
De acordo com as revelações trazidas à tona pelos depoimentos dos ex-chefes do Exército, general Freire Gomes, e da Aeronáutica, brigadeiro Baptista Junior, fica claro que o ex-presidente Jair Bolsonaro não apenas tentou ignorar a derrota nas urnas para Luiz Inácio Lula da Silva, como insistiu na busca de algo que pudesse mantê-lo no poder.
Para isso, contava com um grupo de pessoas que o endossavam na pretensão de romper a normalidade institucional, dentro e fora do Palácio do Planalto. Porém, em seus cálculos não estava a recusa de duas forças armadas em embarcarem em uma aventura antidemocrática. Saiba quem são os personagens da trama golpista:
JAIR BOLSONARO
O ex-presidente apostou na tese de que as urnas eletrônicas não eram seguras e que poderiam alterar o resultado das eleições, o que justificaria, no entender dele, a intervenção no processo eleitoral que culminou na eleição de Lula em 2022. Alimentou, ainda, a guerra de acusações ao Supremo Tribunal Federal (STF), em especial, ao ministro Alexandre de Moraes, apontado nos depoimentos como o primeiro magistrado a ser preso em caso de um golpe. Ele reuniu chefes militares e assessores próximos para convencê-los a apoiar um decreto que o levaria a intervir na Justiça Eleitoral, e cancelar a eleição de 2022. Também reuniu embaixadores para apresentar a tese da fragilidade das urnas, com o objetivo de angariar apoio internacional à intervenção golpista. O ex-presidente pleno conhecimento das minutas de golpe encontradas pela Polícia Federal (PF), que foram apresentadas por ele aos comandantes militares.
O núcleo palaciano
MAURO CID
Ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, é tratado como peça-chave para elucidação dos fatos. Negociou com a Justiça um acordo de delação premiada, que está permitindo à PF fechar o cerco aos articuladores do golpe de Estado. As informações que prestou estão sendo corroboradas pelos depoimentos de alguns chefes militares ouvidos até agora. É tratado como arquivo vivo dos atos do ex-presidente.
ANDERSON TORRES
Ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do DF, foi apontado em depoimentos à PF como um dos mentores jurídicos da minuta de golpe apreendida na casa dele, em Brasília. Ficou preso por quatro meses e continua negando participação na trama conspiratória. Diz que sequer participou da reunião em que a minuta do golpe foi lida.
FILIPE MARTINS
Ex-assessor para assuntos internacionais de Bolsonaro, está preso preventivamente desde 8 de fevereiro. Foi ele quem levou e leu a minuta do golpe em uma reunião do presidente com chefes militares.
WALTER BRAGA NETTO
Ex-ministro da Defesa e ex-chefe da Casa Civil de Bolsonaro, o general da reserva coordenou ataques digitais aos colegas que se recusaram a participar das articulações palacianas para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva. Em mensagens apreendidas pela PF, Braga Netto chamou o general Freire Gomes, chefe do Exército, de “cagão” e o brigadeiro Baptista Junior, comandante da Aeronática, de “traidor da pátria”.
AUGUSTO HELENO
O ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) tentou, a poucos dias do fim do mandato de Bolsonaro, convencer o comandante da Aeronáutica a aderir à conspiração. Mas, ao receber um não como resposta, “ficou atônito”, segundo depoimento do brigadeiro Baptista Junior.
O núcleo militar
PAULO SÉRGIO NOGUEIRA
Ex-ministro da Defesa de Bolsonaro, o general da reserva foi apontado como um dos principais articuladores do golpe, responsável, inclusive, pela elaboração de uma proposta de decreto presidencial mais ampla, que previa a instalação de estado de defesa no STF. O então comandante da Aeronáutica, em depoimento à PF, afirmou que foi pressionado pelo então ministro para aderir à conspiração — mas ouviu como resposta que “a Força Aérea não admitiria tal hipótese de golpe de Estado”.
ALMIRANTE ALMIR GARNIER
Ex-comandante da Marinha, foi o único dos três chefes das Forças Armadas a aderir à quartelada tramada no Palácio do Planalto. Defendeu o uso de instrumentos constitucionais, como o estado de sítio e as operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), para dar um verniz de legalidade ao golpe. Segundo depoimentos dos comandantes do Exército e da Aeronáutica, ele se prontificou, inclusive, a mobilizar tropas para assegurar a intervenção do Poder Executivo no Judiciário.
GENERAL FREIRE GOMES
Ex-comandante do Exército, prestou um dos depoimentos mais ricos em informações à PF, em que se posicionou contra a quartelada e negou apoio das tropas a qualquer iniciativa de subversão da ordem constitucional. Àos federais, confirmou que participou de duas reuniões com Bolsonaro para discutir a minuta do decreto golpista que o então presidente pretendia assinar — para intervir na Justiça e prender o ministro Alexandre de Moraes, do STF. Segundo depoimento do brigadeiro Baptista Júnior, Freire Gomes disse que prenderia Bolsonaro caso insistisse em deflagrar um golpe de Estado.
BRIGADEIRO BAPTISTA JUNIOR
Ex-comandante da Aeronáutica, corroborou boa parte da delação premiada de Mauro Cid em relação à participação de Bolsonaro na trama golpista. Revelou que Freire Gomes ameaçou prender o presidente se o golpe fosse deflagrado, e que o Exército não participaria da conspiração. Por isso, passou a ser atacado nas redes sociais por milícias digitais ligadas ao bolsonarismo. Em depoimento, disse que foi procurado pela deputada Carla Zambelli (PL_SP) para que “não deixasse Bolsonaro na mão”. A ela, respondeu: “Deputada, entendi o que a senhora está falando e não admito que a senhora proponha qualquer ilegalidade”.
O braço armado
MARINHA
O almirante Almir Garnier afiançou a Bolsonaro o apoio das tropas da Armada ao golpe de Estado.
COMANDO DE OPERAÇÕES ESPECIAIS DO EXÉRCITO
Aos poucos, vai ficando claro que o destacamento — sediado em Goiânia — seria utilizado para concretizar a quartelada, uma vez que é uma tropa altamente especializada e bem equipada. Alguns dos personagens envolvidos na trama golpista são diretamente ligados aos "kids pretos", como Freire Gomes, Paulo Sérgio Nogueira, Walter Braga Netto e Mauro Cid. Bolsonaro, por sinal, procurou se cercar de vários integrantes do COPEsp enquanto esteve no Palácio do Planalto.
LAÉRCIO VERGÍLIO
O coronel reformado do Exército negou participação na conspiração golpista, mas disse, em depoimento à PF, que o Comando de Operações Especiais teria a missão de prender o ministro Alexandre de Moraes, caso o golpe fosse deflagrado. Ele mantinha contato direto com outros militares da reserva que insuflavam a quartelada, como o major Ailton Gonçalves Moraes de Barros — que foi expulso do Exército.
O núcleo no Partido Liberal
VALDEMAR COSTA NETO
Presidente do partido de Bolsonaro, negou qualquer envolvimento na articulação para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva. Em depoimento à PF, minimizou a importância da minuta golpista e disse que foi ao Palácio da Alvorada por várias vezes após a derrota de Bolsonaro para “tentar animar o presidente, que estava muito abatido”. Admitiu, porém, que foi pressionado pelo ex-presidente para questionar a segurança das urnas eletrônicas. Mas assegurou que ele sempre confiou no equipamento de votação.
CARLA ZAMBELLI
A deputada federal resolveu, aparentemente por conta própria — uma vez que Bolsonaro atribuiria a ela a derrota nas urnas por causa do episódio em que perseguiu, armada, um apoiador de Lula, 24 horas antes do segundo turno das eleições —, procurar o então comandante da Aeronáutica, Baptista Junior, e pediu-lhe para “não deixar Bolsonaro na mão”. Recebeu como resposta uma admoestação.
Os personagens laterais
EDUARDO PAZUELLO
Ex-ministro da Saúde e atual deputado federal pelo PL fluminense, foi citado por mais de uma testemunha como uma das pessoas próximas de Bolsonaro a incentivar o presidente a usar as Forças Armadas para impedir a posse de Lula.
ASTRONAUTA MARCOS PONTES
O senador comandava o Ministério da Ciência e Tecnologia. Foi dele, segundo depoimento de Costa Neto, a sugestão para que o PL contratasse o Instituto Voto Legal para fazer uma auditoria nas urnas eletrônicas. O objetivo, segundo depoimentos, era levantar subsídios para questionar o resultado das eleições de 2022. O instituto nada mais fez do que apresentar uma série de ilações.
O impacto dos depoimentos
QUEM GANHA
FREIRE GOMES (Confirmou muito do que dissera Mauro Cid e preservou a reputação do Exército ao, inclusive, ameaçar Bolsonaro com prisão)
BATISTA JUNIOR (Seguiu Freire Gomes e deixou claro que se o Exército tivesse cedido a Bolsonaro, o golpe se concretizaria)
MAURO CID (que teve sua delação corroborada pelos comandantes e, possivelmente, usufruirá das prerrogativas)
FORÇAS ARMADAS (Sobretudo as cúpulas do Exército e da Aeronáutica, que explicitaram que não embarcariam em uma aventura para o rompimento institucional)
URNA ELETRÔNICA (Ficou evidente que nada havia que desabonasse não apenas o sistema de votação, como o resultado das eleições de 2022)
QUEM PERDE
JAIR BOLSONARO (Sua situação agravou-se)
PAULO SÉRGIO NOGUEIRA (Também ficou evidenciado que teria aderido ao projeto golpista)
AUGUSTO HELENO (Insuflou a quartelada e era um dos seus empedernidos defensores)
ALMIR GARNIER (Foi na direção contrária das outras duas Forças e concordou com a ruptura institucional proposta por Bolsonaro)
ANDERSON TORRES (Como então ministro da Justiça, era o incumbido de dar verniz de legalidade ao golpe)
FELIPE MARTINS (Apresentou a minuta golpista)
EDUARDO PAZUELLO (Surge na trama como insuflador do golpe)
NA CORDA BAMBA
VALDEMAR COSTA NETO (Disse que não concordava com as determinações de Bolsonaro, mas não deixou de cumpri-las)
CARLA ZAMBELLI (Atuou como emissária do golpe junto a Freire Gomes e Baptista Junior ou agiu por conta própria?)
ASTRONAUTA MARCOS PONTES (Fez a ponte com o instituto contratado pelo PL para montar a farsa da fragilidade das urnas)
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