sábado, 16 de março de 2024

 

O que fazer com políticos extremistas quando Bolsonaro for preso

Todo político bolsonarista agora precisa ser confrontado com os depoimentos de Freire Gomes (Exército) e Baptista Jr. (Aeronáutica)

Celso Rocha de Barros

Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra) e autor de "PT, uma História".

BRASIL

Lênio Streck: “depoimento de Freire Gomes é o mais fidedigno para provar o golpe de Estado”

“Fosse no curso de arbitragem de futebol, seria o pênalti de carteirinha: o zagueiro segura a bola com as duas mãos no meio da área”, comparou

(Foto: Isac Nobrega PR/ Jacson Miguel Stülp/Câmara de Vereadores de Santa Cruz do Sul))

247 - O jurista Lênio Streck afirmou que o depoimento do general Marco Antônio Freire Gomes, que comandou o Exército durante o governo Bolsonaro em 2022, concedido à Polícia Federal, pode ser considerado como o "mais fidedigno para provar o golpe de Estado”.

“Coisa inusitada em países com constituições democráticas: O próprio comandante do Exército (Freire Gomes) dá o testemunho. Ninguém em sã consciência pode imaginar um testemunho mais fidedigno para provar a urdidura de um golpe de Estado”, iniciou 

“O sonho de qualquer Promotor no mundo, para embasar uma denúncia criminal de tentativa de golpe de estado, é o de ter um testemunho dado pelo comandante do exército do governo golpista. Fosse no curso de arbitragem de futebol, seria o pênalti de carteirinha: o zagueiro segura a bola com as duas mãos no meio da área”, acrescentou. 

Saiba mais-  depoimento do ex-comandante do Exército Freire Gomes emergiu como um ponto crítico no inquérito que investiga supostas articulações golpistas envolvendo Jair Bolsonaro (PL). Considerado pelos aliados do ex-mandatário como o "relato mais grave" até então, segundo Bela Megale, do jornal O Globo, o testemunho do general trouxe à tona detalhes perturbadores sobre encontros no Palácio da Alvorada, onde teriam sido discutidas medidas para impedir a posse do presidente Lula (PT) e consumar o golpe de Estado.

Freire Gomes descreveu sua participação em reuniões com Bolsonaro e o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira, onde teria sido apresentada uma minuta golpista. O ponto mais alarmante é a confirmação de que o próprio Bolsonaro teria proposto e discutido o conteúdo do documento, delineando estratégias que incluíam a possibilidade de uso de instrumentos jurídicos como Garantia da Lei e da Ordem (GLO), Estado de Defesa e Estado de Sítio em relação ao processo eleitoral.

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PODER

Saiba quem é quem no roteiro do golpe proposto por Bolsonaro

Depoimentos de importantes integrantes do primeiro escalão do governo Bolsonaro, entre eles dois ex-comandantes das Forças Armadas, colocam o ex-presidente no centro de um plano para evitar que Lula assumisse a Presidência da República

Depoimentos mostram que Bolsonaro buscou algo que pudesse mantê-lo no poder. -  (crédito: Fotos: kleber sales)
Depoimentos mostram que Bolsonaro buscou algo que pudesse mantê-lo no poder. - (crédito: Fotos: kleber sales)
Foto de perfil do autor(a) Fabio Grecchi
Fabio Grecchi 
Foto de perfil do autor(a) Vinicius Doria
Vinicius Doria 
postado em 16/03/2024 03:00 / atualizado em 16/03/2024 07:54

De acordo com as revelações trazidas à tona pelos depoimentos dos ex-chefes do Exército, general Freire Gomes, e da Aeronáutica, brigadeiro Baptista Junior, fica claro que o ex-presidente Jair Bolsonaro não apenas tentou ignorar a derrota nas urnas para Luiz Inácio Lula da Silva, como insistiu na busca de algo que pudesse mantê-lo no poder.

Para isso, contava com um grupo de pessoas que o endossavam na pretensão de romper a normalidade institucional, dentro e fora do Palácio do Planalto. Porém, em seus cálculos não estava a recusa de duas forças armadas em embarcarem em uma aventura antidemocrática. Saiba quem são os personagens da trama golpista:

JAIR BOLSONARO

O ex-presidente apostou na tese de que as urnas eletrônicas não eram seguras e que poderiam alterar o resultado das eleições, o que justificaria, no entender dele, a intervenção no processo eleitoral que culminou na eleição de Lula em 2022. Alimentou, ainda, a guerra de acusações ao Supremo Tribunal Federal (STF), em especial, ao ministro Alexandre de Moraes, apontado nos depoimentos como o primeiro magistrado a ser preso em caso de um golpe. Ele reuniu chefes militares e assessores próximos para convencê-los a apoiar um decreto que o levaria a intervir na Justiça Eleitoral, e cancelar a eleição de 2022. Também reuniu embaixadores para apresentar a tese da fragilidade das urnas, com o objetivo de angariar apoio internacional à intervenção golpista. O ex-presidente pleno conhecimento das minutas de golpe encontradas pela Polícia Federal (PF), que foram apresentadas por ele aos comandantes militares.

  • O núcleo palaciano 

MAURO CID

Ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, é tratado como peça-chave para elucidação dos fatos. Negociou com a Justiça um acordo de delação premiada, que está permitindo à PF fechar o cerco aos articuladores do golpe de Estado. As informações que prestou estão sendo corroboradas pelos depoimentos de alguns chefes militares ouvidos até agora. É tratado como arquivo vivo dos atos do ex-presidente.

ANDERSON TORRES

Ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do DF, foi apontado em depoimentos à PF como um dos mentores jurídicos da minuta de golpe apreendida na casa dele, em Brasília. Ficou preso por quatro meses e continua negando participação na trama conspiratória. Diz que sequer participou da reunião em que a minuta do golpe foi lida.

FILIPE MARTINS

Ex-assessor para assuntos internacionais de Bolsonaro, está preso preventivamente desde 8 de fevereiro. Foi ele quem levou e leu a minuta do golpe em uma reunião do presidente com chefes militares.

WALTER BRAGA NETTO

Ex-ministro da Defesa e ex-chefe da Casa Civil de Bolsonaro, o general da reserva coordenou ataques digitais aos colegas que se recusaram a participar das articulações palacianas para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva. Em mensagens apreendidas pela PF, Braga Netto chamou o general Freire Gomes, chefe do Exército, de “cagão” e o brigadeiro Baptista Junior, comandante da Aeronática, de “traidor da pátria”.

AUGUSTO HELENO

O ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) tentou, a poucos dias do fim do mandato de Bolsonaro, convencer o comandante da Aeronáutica a aderir à conspiração. Mas, ao receber um não como resposta, “ficou atônito”, segundo depoimento do brigadeiro Baptista Junior.

  • O núcleo militar

PAULO SÉRGIO NOGUEIRA

Ex-ministro da Defesa de Bolsonaro, o general da reserva foi apontado como um dos principais articuladores do golpe, responsável, inclusive, pela elaboração de uma proposta de decreto presidencial mais ampla, que previa a instalação de estado de defesa no STF. O então comandante da Aeronáutica, em depoimento à PF, afirmou que foi pressionado pelo então ministro para aderir à conspiração — mas ouviu como resposta que “a Força Aérea não admitiria tal hipótese de golpe de Estado”.

ALMIRANTE ALMIR GARNIER

Ex-comandante da Marinha, foi o único dos três chefes das Forças Armadas a aderir à quartelada tramada no Palácio do Planalto. Defendeu o uso de instrumentos constitucionais, como o estado de sítio e as operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), para dar um verniz de legalidade ao golpe. Segundo depoimentos dos comandantes do Exército e da Aeronáutica, ele se prontificou, inclusive, a mobilizar tropas para assegurar a intervenção do Poder Executivo no Judiciário.

GENERAL FREIRE GOMES

Ex-comandante do Exército, prestou um dos depoimentos mais ricos em informações à PF, em que se posicionou contra a quartelada e negou apoio das tropas a qualquer iniciativa de subversão da ordem constitucional. Àos federais, confirmou que participou de duas reuniões com Bolsonaro para discutir a minuta do decreto golpista que o então presidente pretendia assinar — para intervir na Justiça e prender o ministro Alexandre de Moraes, do STF. Segundo depoimento do brigadeiro Baptista Júnior, Freire Gomes disse que prenderia Bolsonaro caso insistisse em deflagrar um golpe de Estado.

BRIGADEIRO BAPTISTA JUNIOR

Ex-comandante da Aeronáutica, corroborou boa parte da delação premiada de Mauro Cid em relação à participação de Bolsonaro na trama golpista. Revelou que Freire Gomes ameaçou prender o presidente se o golpe fosse deflagrado, e que o Exército não participaria da conspiração. Por isso, passou a ser atacado nas redes sociais por milícias digitais ligadas ao bolsonarismo. Em depoimento, disse que foi procurado pela deputada Carla Zambelli (PL_SP) para que “não deixasse Bolsonaro na mão”. A ela, respondeu: “Deputada, entendi o que a senhora está falando e não admito que a senhora proponha qualquer ilegalidade”.

  • O braço armado

MARINHA

O almirante Almir Garnier afiançou a Bolsonaro o apoio das tropas da Armada ao golpe de Estado.

COMANDO DE OPERAÇÕES ESPECIAIS DO EXÉRCITO

Aos poucos, vai ficando claro que o destacamento — sediado em Goiânia — seria utilizado para concretizar a quartelada, uma vez que é uma tropa altamente especializada e bem equipada. Alguns dos personagens envolvidos na trama golpista são diretamente ligados aos "kids pretos", como Freire Gomes, Paulo Sérgio Nogueira, Walter Braga Netto e Mauro Cid. Bolsonaro, por sinal, procurou se cercar de vários integrantes do COPEsp enquanto esteve no Palácio do Planalto.

LAÉRCIO VERGÍLIO 

O coronel reformado do Exército negou participação na conspiração golpista, mas disse, em depoimento à PF, que o Comando de Operações Especiais teria a missão de prender o ministro Alexandre de Moraes, caso o golpe fosse deflagrado. Ele mantinha contato direto com outros militares da reserva que insuflavam a quartelada, como o major Ailton Gonçalves Moraes de Barros — que foi expulso do Exército.

  • O núcleo no Partido Liberal

VALDEMAR COSTA NETO

Presidente do partido de Bolsonaro, negou qualquer envolvimento na articulação para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva. Em depoimento à PF, minimizou a importância da minuta golpista e disse que foi ao Palácio da Alvorada por várias vezes após a derrota de Bolsonaro para “tentar animar o presidente, que estava muito abatido”. Admitiu, porém, que foi pressionado pelo ex-presidente para questionar a segurança das urnas eletrônicas. Mas assegurou que ele sempre confiou no equipamento de votação.

CARLA ZAMBELLI

A deputada federal resolveu, aparentemente por conta própria — uma vez que Bolsonaro atribuiria a ela a derrota nas urnas por causa do episódio em que perseguiu, armada, um apoiador de Lula, 24 horas antes do segundo turno das eleições —, procurar o então comandante da Aeronáutica, Baptista Junior, e pediu-lhe para “não deixar Bolsonaro na mão”. Recebeu como resposta uma admoestação.

  • Os personagens laterais

 EDUARDO PAZUELLO

Ex-ministro da Saúde e atual deputado federal pelo PL fluminense, foi citado por mais de uma testemunha como uma das pessoas próximas de Bolsonaro a incentivar o presidente a usar as Forças Armadas para impedir a posse de Lula.

ASTRONAUTA MARCOS PONTES

O senador comandava o Ministério da Ciência e Tecnologia. Foi dele, segundo depoimento de Costa Neto, a sugestão para que o PL contratasse o Instituto Voto Legal para fazer uma auditoria nas urnas eletrônicas. O objetivo, segundo depoimentos, era levantar subsídios para questionar o resultado das eleições de 2022. O instituto nada mais fez do que apresentar uma série de ilações.

 Bolsonaro pelas ruas de Iguaba, ( RJ ).
Bolsonaro percorreu cidades do litoral e não comentou depoimentos(foto: Reprodução/Redes Sociais)

O impacto dos depoimentos

  • QUEM GANHA

FREIRE GOMES (Confirmou muito do que dissera Mauro Cid e preservou a reputação do Exército ao, inclusive, ameaçar Bolsonaro com prisão)

BATISTA JUNIOR (Seguiu Freire Gomes e deixou claro que se o Exército tivesse cedido a Bolsonaro, o golpe se concretizaria)

MAURO CID (que teve sua delação corroborada pelos comandantes e, possivelmente, usufruirá das prerrogativas)

FORÇAS ARMADAS (Sobretudo as cúpulas do Exército e da Aeronáutica, que explicitaram que não embarcariam em uma aventura para o rompimento institucional)

URNA ELETRÔNICA (Ficou evidente que nada havia que desabonasse não apenas o sistema de votação, como o resultado das eleições de 2022)

  • QUEM PERDE

 JAIR BOLSONARO (Sua situação agravou-se)

PAULO SÉRGIO NOGUEIRA (Também ficou evidenciado que teria aderido ao projeto golpista)

AUGUSTO HELENO (Insuflou a quartelada e era um dos seus empedernidos defensores)

ALMIR GARNIER (Foi na direção contrária das outras duas Forças e concordou com a ruptura institucional proposta por Bolsonaro)

ANDERSON TORRES (Como então ministro da Justiça, era o incumbido de dar verniz de legalidade ao golpe)

FELIPE MARTINS (Apresentou a minuta golpista)

EDUARDO PAZUELLO (Surge na trama como insuflador do golpe)

  • NA CORDA BAMBA

VALDEMAR COSTA NETO (Disse que não concordava com as determinações de Bolsonaro, mas não deixou de cumpri-las)

CARLA ZAMBELLI (Atuou como emissária do golpe junto a Freire Gomes e Baptista Junior ou agiu por conta própria?)

ASTRONAUTA MARCOS PONTES (Fez a ponte com o instituto contratado pelo PL para montar a farsa da fragilidade das urnas)

LAÉRCIO VERGÍLIO (Confirmou que os "kids pretos" estavam preparados para agir em caso de golpe)40

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