A AUTORA PERSEGUIDA DURANTE A DITADURA MILITAR POR APOIAR PAULO FREIRE
Psicóloga que aprendeu com Paulo Freire o método de alfabetização de adultos e foi perseguida pela ditadura publica ensaio com crítica social
![A autora (à esq.) e a capa da obra 'O triunfo de Pelágio e o mundo sem a Graça' (2022)](https://aventurasnahistoria.uol.com.br/media/_versions/entretenimento/autorapaulo1_widelg.jpg)
Para a psicóloga, psicanalista e escritora Ana Mariza Fontoura Vidal, o mundo assiste ao fracasso ocidental em questões humanitárias básicas. Saúde, educação, emprego, carências comprovadas por índices de desenvolvimento baixíssimos. Um olhar particular desta realidade é apresentado no livro O triunfo de Pelágio e o mundo sem a Graça.
Minha principal motivação é o desejo de compartilhar conhecimentos que adquiri e que vejo como necessários, como fonte de informação para pessoas que não tiveram as mesmas oportunidades que tive", explica Ana Mariza Fontoura Vidal.
Em 84 páginas, a autora analisa criticamente o ocidente, especialmente o Brasil, além de apresentar uma tese de como a experiência cristã, distinta da religiosidade, pode transformar as pessoas e o mundo em um lugar melhor.
![[Colocar ALT]](https://aventurasnahistoria.uol.com.br/media/uploads/entretenimento/livro4.jpg)
O ensaio se desdobraria inicialmente em um projeto de pesquisa, mas acabou virando livro após a descoberta de um câncer, em 2020. A ela foram dados seis meses de vida, daí a decisão de publicar o livro. Ana queria reverberar o tema que, para ela, não existe sendo discutido, mas sim praticado.
A psicóloga, servidora federal aposentada, também é autora de A beleza última, escrita como memória a sua família. Na autobiografia, ela registra a experiência política durante os anos de ditadura militar e a sua perspectiva sobre a ética e a política a partir do exercício da fé.
O legado de Paulo Freire
Na adolescência, Ana morou em Recife e conviveu com Paulo Freire, com quem aprendeu a aplicar o método de alfabetização de adultos.
"Com 17 anos e já morando em Recife, comecei a trabalhar no Museu do Açúcar, hoje chamado Museu do Homem do Nordeste e Ariano Suassuna fazia parte do Conselho Cultural do Museu. Não tive com ele tanta aproximação como com Paulo Freire, mas acompanhava suas ideias e sua genialidade. Com Paulo Freire foi diferente, porque ele estava formando pessoas que conhecessem e pudessem aplicar seu método para alfabetização de adultos", explica a autora com exclusividade.
Por conta do apoio voluntário ao educador, foi perseguida pelo regime militar e teve de morar pouco mais de dois anos na França. Ela também foi abrigada em termos políticos pelo então arcebispo Dom Helder Câmara, preso em domicílio.
"Então tive o privilégio de aprender com ele (Paulo Freire) a aplicação do método, que posteriormente ganhou projeção mundial, uma vez que a aprendizagem era construída juntamente com a ampliação da consciência política dos sujeitos. Não por acaso, Paulo Freire é até nossos dias reverenciado no mundo inteiro e aqui foi, neste governo, depreciado, o que é uma vergonha. ", enfatiza Ana Mariza Fontoura Vidal ao site Aventuras na História.
Resposta humanitária
A autora interroga por que uma civilização autodeclarada judaico-cristã se apresenta, após milênios, sem uma resposta humanitária. E desenvolve uma tese de como a experiência cristã, distinta da religiosidade, pode promover um mundo novo, cheio de “Graça”, ou seja, uma fé viva, não só dogmatizada e ritualizada.
"Política e religião são assuntos necessariamente relacionados, uma vez que a busca dos dois assuntos é uma ética verdadeiramente humanista. A condição humana pede tanto ações políticas voltadas para o bem comum como pede um algo mais, que só a relação com o sagrado pode prover", diz ela. "No caso do Ocidente isso é gritante, já que atravessamos o século XX envoltos em duas grandes guerras e estamos percorrendo a terceira década do século XXI com índices absurdos de sofrimento e de baixíssima qualidade de vida. O ocidente está à beira de uma guerra que, se ocorrer, afetará todo o globo. E somos uma civilização chamada judaico-cristã! As pessoas que vemos naufragando em busca de um futuro melhor refletem o sintoma de uma grande e triste metáfora do fracasso ocidental. O que aconteceu com a civilização judaico-cristã?".
'Educação, educação, educação'
O título da obra é uma referência ao sacerdote do século V, Pelágio, cuja visão prevalece na cultura ocidental de que a moral cristã é suficiente para moldar o ser humano no sentido de um mundo mais digno. Um contraponto à visão de Agostinho – defendida pela psicóloga – de que somente sob a “Graça” os indivíduos podem tornar-se generosos, fraternos e justos.
Quando questionada sobre o que é necessário para o Brasil se tornar um país mais justo e igualitário, Ana Mariza Fontoura Vidal dá uma resposta crucial.
"Educação, educação, educação. A Coreia do Sul mudou seus índices de qualidade de vida, em uma ou duas décadas, investindo em educação. E que a população melhor educada saiba lutar por seus direitos constitucionais. As pessoas que morreram e/ou perderam o que tinham neste janeiro chuvoso não foi por causa das chuvas; foi pelo desrespeito constitucional ao direito à moradia, saúde e segurança", finaliza ela.
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