quinta-feira, 31 de agosto de 2023

 

Carlos Madeiro

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Reportagem

Sem orçamento, plano de Lula contra fome prevê mapeamento e ação do SUS

O governo federal lança nesta quinta-feira o plano Brasil sem Fome, em Teresina. Promessa de campanha e ainda sem orçamento, a proposta é reduzir a quantidade de pessoas em situação grave de insegurança alimentarAo menos 33 milhões passaram fome no país em 2022, segundo o Inquérito Nacional Sobre Segurança Alimentar no Contexto da Pandemia Covid-19 no Brasil.

A iniciativa é comandada pelo MDS (Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome), mas prevê mais 23 pastas do governo Lula (PT) atuando em conjunto, incluindo a ação do SUS (Sistema Único de Saúde) e a produção de um mapa da fome.

O que muda com o Brasil sem Fome

O novo plano traz inovações em comparação aos programas anteriores do PT sobre o tema: o Fome Zero e o Brasil Sem Miséria.

Será feito um mapa de insegurança alimentar de todos os municípios do país. O levantamento ficará a cargo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Haverá um monitoramento mensal e a publicação anual de uma pesquisa sobre o tema, que vão direcionar ações federais para ajudar a minimizar o problema.

Hoje, os dados sobre fome no Brasil são produzidos por entidades externas ao governo, a exemplo de FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) e Pensann (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional).

Será criado também um protocolo para atendimentos nas unidades de saúde e de assistência social para identificar pessoas com fome.

Para isso, serão integrados os sistemas de assistência social e de saúde. Para isso, uma portaria interministerial de MDS e Saúde será publicada criando as gregas para isso.

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A ideia é que uma criança ao chegar desnutrida a um posto de saúde, por exemplo, seja avaliada se o problema é gerado pela fome. Nesse caso, a família deverá ser direcionada a serviços de combate à insegurança alimentar.

Crianças yanomami internadas com desnutrição em hospital de Boa Vista
Crianças yanomami internadas com desnutrição em hospital de Boa VistaImagem: Lalo de Almeida/Folhapress

Outra iniciativa é um programa de compra de alimentos para serem doados a cozinhas solidárias pelo país. Eles serão adquiridos junto à agricultura familiar, como forma de ajudar as pessoas no campo.

Para mobilizar o país, o governo também vai realizar caravanas e visitar estados e cidades nas regiões que mais sofrem com a fome para fazer pactuações com prefeitos e governadores para articular ações de segurança alimentar. Não há data para início e ainda não há valor definido de quanto vai custar as ações do plano..

O papel desse plano é reafirmar que a fome é uma questão prioritária do governo e é preciso trabalhar de forma integrada. Ele veio inspirado no Fome Zero e Brasil sem Miséria e está muito voltado ao momento atual, de aumento da desigualdade, com a fome em mais casas chefiadas por mulheres e com crianças.

O conjunto do valor total do plano a gente ainda não vai informar porque a gente está enviando a Lei Orçamentária, o plano plurianual amanhã para o Congresso, que vai aprovar, e a gente vai apurar. Temos um comitê gestor que terá esse tarefa de detalhar o valor do plano.Valéria Burity, secretária extraordinária de Combate à Fome do MDS

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Como será o plano

Há previsão 80 ações e programas. São 24 ministérios que vão compor a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional .

A base principal de dados será o Cadastro Único do governo federal, que tem mais de 30 milhões de famílias inscritas

O plano prevê ações em três eixos:

garantia de acesso à renda, ao trabalho e à cidadania;

ações para uma alimentação adequada e saudável. da produção ao consumo;

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mobilização para combate à fome de outros poderes e sociedade.

Quais são as metas:

reduzir, ano a ano, as taxas totais de pobreza;

reduzir a menos de 5% o percentual de domicílios em insegurança alimentar grave;

tirar o Brasil do Mapa da Fome até 2030.

Estratégias previstas:

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aumento da renda disponível para comprar alimentos;

inclusão em políticas de proteção social;

ampliação da produção e do acesso à alimentos saudáveis e sustentáveis;

informação e mobilização da sociedade, de outros poderes e de outros entes federativos para erradicação da fome.

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Imagem: iStock

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis

domingo, 27 de agosto de 2023

Como inteligência artificial está ressuscitando estrelas de cinema

 TECNOLOGIA

Como inteligência artificial está ressuscitando estrelas de cinema

Celebridades como James Dean podem ser trazidas de volta à vida como clones digitais graças ao poder da inteligência artificial, mas isso está trazendo à tona questões preocupantes sobre os direitos após a morte.

Quase sete décadas após sua morte, James Dean foi escalado como estrela de um novo filme chamado <em>Back to Eden</em> -  (crédito: Getty Images)"Quase sete décadas após sua morte, James Dean foi escalado como estrela de um novo filme chamado Back to Eden - (crédito: Getty Images)

A maioria dos atores sonha em construir uma carreira que sobreviva mesmo após a morte. Poucos conseguem – o show business pode ser um lugar difícil para obter sucesso. Mas aqueles que conquistam seu objetivo podem alcançar uma espécie de imortalidade nas telas e além delas.

Um dos ícones que conseguiu o feito é o ator de cinema americano James Dean, que morreu em 1955 em um acidente de carro depois de estrelar apenas três filmes, todos muito aclamados.

No entanto, agora, quase sete décadas depois de sua morte, Dean foi escalado como estrela de um novo filme chamado Back to Eden (De volta ao Éden, em tradução livre).

Um clone digital do ator – criado com tecnologia de inteligência artificial semelhante à usada para gerar deepfakes – caminhará, falará e interagirá na tela com outros atores do filme.

A tecnologia está na vanguarda das imagens geradas por computador (CGI) de Hollywood. Mas também é fonte de preocupação para atores e roteiristas que entraram em greve em Hollywood pela primeira vez em 43 anos.

Eles temem ser substituídos por algoritmos de IA – algo que eles argumentam que sacrificará a criatividade em prol do lucro.

A atriz Susan Sarandon está entre aqueles que falaram sobre suas preocupações publicamente, alertando que a IA poderia fazê-la "dizer e fazer coisas sobre as quais não tenho escolha".

A ressurreição digital de Dean não é o primeiro episódio em que atores falecidos aparentemente voltaram à vida na tela com a ajuda de tecnologia digital avançada e uma pitada da magia de Hollywood.

Carrie Fisher, Harold Ramis e Paul Walker são apenas algumas das celebridades notáveis ??que reprisaram papéis icônicos no cinema postumamente. A cantora brasileira Elis Regina também ressuscitou recentemente para um anúncio da Volkswagen, no qual apareceu fazendo dueto com a filha Maria Rita.

Essas aparições na tela representam o que Travis Cloyd, executivo-chefe da agência de mídia imersiva WorldwideXR (WXR), chama de representações de "tela plana passiva, 2D", semelhantes a deepfakes.

Esta é a segunda vez que o clone digital de Dean é escalado para um filme. Em 2019, foi anunciado que ele seria ressuscitado em CGI para um filme chamado Finding Jack (À Procura de Jack, em português), que foi posteriormente cancelado.

Cloyd confirmou à BBC, no entanto, que Dean estrelará Back to Eden, um filme de ficção científica em que "uma visita fora deste mundo para encontrar a verdade leva a uma viagem pela América com a lenda James Dean".

A clonagem digital de Dean também representa uma mudança significativa no que é possível. Seu avatar de IA não apenas poderá desempenhar um papel de tela plana em Back to Eden e em uma série de filmes subsequentes, mas também interagir com o público em plataformas interativas, incluindo realidade aumentada, realidade virtual e jogos.

A tecnologia vai muito além da reconstrução digital passiva ou da tecnologia deepfake que sobrepõe o rosto de uma pessoa ao corpo de outra.

Levanta a perspectiva de os atores – ou qualquer outra pessoa – alcançarem uma espécie de imortalidade que de outra forma teria sido impossível, com carreiras que continuam muito depois de as suas vidas terem terminado.

Mas ela também traz à tona alguns pontos controversos.

Quem detém os direitos sobre o rosto, a voz e a personalidade de alguém após sua morte? Que controle eles podem ter sobre a direção de sua carreira após a morte – um ator que fez seu nome estrelando dramas corajosos poderia de repente aparecer em uma comédia boba ou mesmo em pornografia? E a imagem pode ser usada para anúncios?

E indo ainda além, por que não deixar as celebridades descansarem em paz?

O primo de Dean, Marc Winslow, que passou a infância em uma fazenda em Illinois com o ator, a quem ele carinhosamente chama de Jimmy, afirma que é o inegável apelo de seu primo, que transcende gerações, que o tornam uma escolha atraente para um papel grande no cinema moderno.

"Se há duas ou três pessoas em uma cena, seus olhos vão direto para ele", diz ele.

"Sabe, não acho que alguém será capaz de substituí-los, mas é possível que eles consigam fazer isso na tela e tornar muito realista."

Clones digitais

A imagem de Dean é uma das centenas representadas pela WRX e sua empresa parceira CMG Worldwide – incluindo Amelia Earhart, Bettie Page, Malcolm X e Rosa Parks.

Quando Dean morreu, há 68 anos, ele deixou para trás uma coleção robusta de sua imagem em filmes, fotografias e áudio – o que Cloyd do WRX chama de "material de origem".

Cloyd diz que para obter uma representação realista de Dean, inúmeras imagens são digitalizadas, sintonizadas em alta resolução e processadas por uma equipe de especialistas digitais utilizando tecnologias avançadas.

Adicione áudio, vídeo e IA e, de repente, esses materiais se tornam os blocos de construção de um clone digital que parece, soa, se move e até responde a comandos como Dean.

O que Dean não deixou para trás foi uma pegada digital, ao contrário das celebridades de hoje que se envolvem nas redes sociais, tiram selfies privadas, enviam textos e e-mails, utilizam motores de busca, fazem compras online e compram receitas médicas online.

Essas atividades fornecem enormes quantidades de dados sobre como pensamos e agimos que poderiam ser potencialmente utilizados para transformar um clone digital superficial em um inteligente que pode conversar de forma convincente com os vivos.

Agora existem até empresas que permitem aos usuários fazer upload de dados digitais de entes queridos falecidos para criar "deadbots" que conversam com os vivos do mundo da morte.

Quanto mais material de origem, mais preciso e inteligente será o deadbot, o que significa que os herdeiros das celebridades modernas podem potencialmente permitir que clones convincentes e realistas de seus parentes falecidos continuem trabalhando na indústria cinematográfica – e interagindo de forma quase autônoma – para sempre.

Prevendo uma realidade assim para seu futuro, o ator Tom Hanks falou sobre o tema recentemente em um podcast, chamado Adam Buxton Podcast.

"Eu poderia ser atropelado por um ônibus amanhã e pronto, mas minhas performances podem continuar indefinidamente", disse.

Atores perdendo empregos para os mortos

O comentário de Hanks resume uma preocupação muito real para os atores que temem que a próxima fase da ressurreição humana digital cruze fronteiras éticas, legais e práticas, que podem atingir tanto celebridades como cidadãos comuns.

Os dubladores, em particular, têm liderado a conversa e trabalhado entre associações de atores para formar uma frente unificada pela proteção dos direitos e das carreiras dos atores.

"Para as vozes de Mickey Mouse, Gaguinho, Branca de Neve – cada vez que uma voz morre, um novo ator é contratado para interpretá-la", diz Tim Friedlander, presidente e fundador da National Association of Voice Actors (Nava) nos EUA.

"Mas e se você pudesse usar Mel Blanc [o dublador que deu vida a muitos dos personagens de desenhos animados do Loony Tunes] para sempre?"

Friedlander e seus colegas dubladores temem que esta situação seja iminente e que os dubladores ressuscitados digitalmente monopolizem a indústria de dublagem, eliminando empregos para atores vivos.

"Não há oportunidade para ninguém porque agora eles perderam o emprego para um dublador falecido porque ele é a voz original do Pernalonga, Gaguinho e outros [personagens do Looney Tunes]."

Cloyd reconhece que podem haver menos oportunidades de atuação, mas oferece uma perspectiva de "copo meio cheio".

"No final das contas, isso cria muitos empregos”, diz ele, referindo-se a outros empregos técnicos e na indústria cinematográfica que a tecnologia poderia gerar.

"Portanto, mesmo que isso possa comprometer o papel ou o trabalho de uma pessoa, ao mesmo tempo, está criando centenas de empregos."

Os direitos dos mortos

Se os mortos – ou melhor, seus clones digitais – estão condenados a uma eternidade de trabalho, quem se beneficia financeiramente? E os mortos têm algum direito?

Para simplificar a resposta, as regras são obscuras e, em algumas regiões do mundo, inexistentes.

No Brasil, por exemplo, não há leis específicas sobre direito de imagem, inteligência artificial e pessoas já falecidas.

Após o episódio envolvendo a propaganda com o deepfake de Elis Regina, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) abriu um processo ético para avaliar a peça publicitária, após receber queixas de consumidores. O caso, no entanto, foi arquivado na terça-feira (23/8).

O advogado Erik Kahn, coautor de um artigo sobre os direitos de publicidade post mortem de celebridades para a revista Landslide, da American Bar Association (associação equivalente à OAB no Brasil), diz que cada Estado dos EUA tem uma regra diferente, enquanto alguns não têm nenhuma lei.

Em geral, quando uma celebridade morre, os "direitos à publicidade" passam da celebridade para os parentes mais próximos, ou para a parte a quem foram concedidos esses direitos em testamento.

Mas Kahn diz que, mesmo um testamento, que normalmente ditará quem se beneficiará financeiramente do uso comercial da imagem da celebridade falecida, tem peso legal limitado, uma vez que "não é como um contrato porque é um documento unilateral".

O poder de como a imagem dessa pessoa é usada passa para seu executor vivo. Algumas celebridades, como Robin Williams, conseguiram usar um testamento para limitar o uso de sua imagem após a morte, mas esse limite expira após 25 anos.

Mas as celebridades se beneficiam de uma camada adicional de proteção contra certos tipos de difamação, diz Kahn. Marilyn Monroe, por exemplo, não poderia ser empregada postumamente em um filme pornográfico se seu espólio não aprovasse o uso de sua imagem e semelhança.

Dependendo do Estado dos EUA, o espólio de Monroe pode argumentar que os direitos autorais foram infringidos, que ela foi difamada por declarações falsas que não refletem sua verdadeira reputação e que retratá-la de uma forma prejudicial poderia "interferir em possíveis vantagens comerciais".

Além disso, a Lei Lanham federal serve como uma proteção adicional que protege celebridades falecidas de serem usadas em publicidade falsa ou enganosa e de violação de marca registrada.

Nova York possui a definição mais abrangente de "direito de publicidade" que protege indivíduos falecidos contra a exploração comercial ou uso não autorizado das suas características pessoais.

Mas mesmo em Estados com regulamentações aparentemente rígidas, o direito de publicidade realmente protege o patrimônio do falecido, não necessariamente a pessoa falecida.

"Se sua família quer vendê-lo e você está morto, não há muito que você possa fazer", diz o advogado Pou-I "Bonnie" Lee, de Nova York, coautor do artigo jurídico na Landslide com Kahn.

O que isto significa é que Marilyn Monroe, por exemplo, poderia aparecer postumamente – legalmente – num filme pornográfico se o seu patrimônio consentisse na utilização da sua imagem e semelhança desta forma.

"Se o espólio diz isso, é lamentável, mas acho que pode acontecer", diz Lee.

Uso pessoal e particular

Embora as celebridades mortas contem com algumas proteções vagas em jurisdições específicas quando se trata da exploração comercial da sua imagem e semelhança, os cidadãos comuns podem ter muito menos controle sobre a forma como a sua imagem e legado digital são usados após a morte.

Nos EUA, há pouca legislação que proteja os mortos de serem ressuscitados digitalmente para uso pessoal. Quando você morrer, praticamente qualquer pessoa poderá usar seu legado digital público em um software de IA para criar um deadbot ou um avatar de IA interativo.

Os estados com proteções post mortem mais amplas, como Nova York, proíbem a utilização das identidades dos indivíduos para determinados fins nefastos, mas Lee é céptico sobre a forma como essas proteções são implementadas.

"Em última análise, alguém precisa fazer cumprir isso", diz ele.

Cloyd, Friedlander e Kahn concordam que é necessário que haja legislações implementada mais cedo ou mais tarde para proteger os direitos e legados dos mortos – tanto celebridades como outros.

A tecnologia está avançando em um ritmo rápido e os debates éticos em torno das representações digitais dos mortos já começam a surgir.

Cloyd admite estar inicialmente "um pouco preocupado" com a forma como os mortos estão sendo revividos digitalmente, mas diz estar confiante de que a WXR está sendo proativo e sensível ao lidar com essas questões.

Friedlander também defende ativamente uma legislação que proteja os dubladores de perderem seus trabalhos e espera que o trabalho de Nava ajude as associações de atores em todo o mundo a se organizarem e defenderem oportunidades justas.

Quanto a Winslow, ele admite ter sentimentos confusos ao ver seu primo ressuscitado digitalmente.

"Não sei o que pensar sobre isso", diz ele. "Quero que ele seja respeitado. Ele estava realmente envolvido na atuação, levou isso muito a sério. Eu gostaria que essa mesma imagem fosse projetada.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                            S.J. Velasquez - BBC Future